29 de janeiro de 2007

Vem aí a FLAP 2007

A Mônica Bergamo é mesmo muito bem informada: o tema da próxima FLAP é pão saído do forno até para os organizadores!

QUASE LÁ
Os organizadores da Flap -corruptela alternativa da Flip, a Festa Literária Internacional de Parati-, que até agora faziam o evento com recursos próprios, estão buscando patrocínios para ampliar sua programação. Querem trazer autores latino-americanos na próxima edição, em julho.
(Folha de São Paulo, 29/01/07, Caderno Ilustrada)

27 de janeiro de 2007

Uma poesia de costumes

Dois poemas de Francesc Vicenç Garcia (1579-1623), poeta do chamado período de decadência da literatura catalã.

Crítica à má pintura de um santo mártir

As mãos que me supliciaram
não me foram tão cruéis
como as que em rudes pincéis
nesta tela me pintaram.

Se de entre leões saí
incólume e imaculado,
por um asno atropelado
fui, como se vê aqui.

..........Trad. Fábio Aristimunho


Crítica d’una mala pintura d’un sant màrtir

Les mans que m’aturmentaren
no foren en mi tan feres
com les torpes i grosseres
que en aquest llenç me posaren.

D’entre molts lleons isquí
tot sencer i immaculat,
i un ase m’ha atropellat
tal qual me veuen aquí.

..........Francesc Vicenç Garcia


..........................***

Epitáfio

.........à sepultura de um grande bebedor
.........de aguardente, que morreu de gota


Aqui jaz o que pensou
estar a salvo da gota,
porque d’água uma só gota
(só ardente) nunca tomou;
por fim a gota o esgotou
e o tragou destes conflitos.
E por tempos infinitos
estará sua epiderme
ilesa, pois nenhum verme
a tomará dos mosquitos.

..........Trad. Fábio Aristimunho


Epitafi

.........a la sepultura de un gran bevedor
.........de aiguardent, que morí de gota


Hic jacet lo qui cregué
ésser preservat de gota,
puix d’aigua sols una gota,
si no ardent, mai la begué.
Gota l’agotà i tragué
d’esta vall de plors i crits;
i per segles infinits
estarà sencer son cos,
que cuc no hi ha que hi dón mos,
perquè el guarden los mosquits.

..........Francesc Vicenç Garcia

26 de janeiro de 2007

Últimas aquisições

- Antologia de la poesia catalana (Rosa Delor; Isabel Grifoll; Lluïsa Julià – orgs.). Barcelona: Castellnou, 2005.

- Tirant Lo Blanc, de Joanot Martorell. València: 3 i 4, 2005.

- Bruixa de dol, de Maria-Mercè Marçal. Barcelona: Edicions 62, 2006.

- El comte Arnau, de Josep M. de Sagarra. Barcelona: La Campana, 2006.

- Antologia de poesia galega (Yara Frateschi Vieira – org.). Campinas: UNICAMP, 1996.


Devo isso – no sentido literal e figurado – à Isabel, minha amiga e ex-professora de catalão, que me trouxe os 4 primeiros na bagagem. Espero poder retribuir a encomenda em breve, no sentido atlântico inverso.

22 de janeiro de 2007

Podendo, que fazer senão fazê-lo?

Nos idos de 97 ou 98 eu li no Estadão uma matéria sobre uma coletânea de traduções de Fernando Pessoa, algumas então publicadas pela primeira vez. A matéria trazia um poema traduzido, ladeado pelo original em espanhol, que eu logo me contentei em recortar por não ter grana para o livro ou qualquer outra coisa que alimentasse não mais que o espírito.

Anos depois, deu que reencontrei num sebo o livro da resenha - e desta vez eu podia comprá-lo: Fernando Pessoa: poeta-tradutor de poetas, da Nova Fronteira, organizado por Arnaldo Saraiva. Lendo a introdução vim a descobrir que algumas das traduções da coletânea permaneceram desconhecidas até então e só foram encontradas em alguma publicação meio obscura após uma busca de anos financiada pelo organizador.

Me marcou muito aquele poema que eu tinha recortado do jornal, a ponto de até hoje sabê-lo de cor em espanhol e na tradução pessoana. Trata-se do soneto "Cuando me paro a contemplar mi estado", de Garcilaso de la Vega (1503-1536), cujo primeiro verso foi posteriormente glosado por Lope de Vega (1562-1635), o que causa alguma confusão para identificar um e outro.

A tradução do Pessoa é fantástica, com uma solução para o primeiro verso que é uma pequena pérola, mas sempre me intrigou em dois aspectos: (i) o uso de construções arcaicas/castelhanizantes, como em "me ha trazido" e "hei olvidado", e (ii) o pé quebrado do 12o. verso, em oposição aos decassílabos clássicos dos outros versos.

Apesar desse meu estranhamento e intriga, nunca tinha ousado fazer a minha própria tradução do poema - até a semana passada. Podendo, o que eu deveria fazer senão fazê-la? Eis que me entrego com alguma arte e não fico aqui só contemplando o meu estado.

*

O poema original, de Garcilaso de la Vega:

....Cuando me paro a contemplar mi estado
y a ver los pasos por do m'han traído,
hallo, según por do anduve perdido,
que a mayor mal pudiera haber llegado;

....mas cuando del camino estó olvidado,
a tanto mal no sé por do he venido;
sé que me acabo, y más he yo sentido
ver acabar conmigo mi cuidado.

....Yo acabaré, que me entregué sin arte
a quien sabrá perderme y acabarme
si ella quisiere, y aun sabrá querello;

....que pues mi voluntad puede matarme,
la suya, que no es tanto de mi parte,
pudiendo, ¿qué hará sino hacello?


Tradução de Fernando Pessoa:

....Quando a pensar me quedo em meu estado
E a ver os passos por que me ha trazido,
Acho, vendo por onde andei perdido,
Que a maior mal podia ter chegado;

....E quando do caminho hei olvidado,
Mal sei como a este mal fui conduzido;
Sei que morro, e que mais inda hei sentido
Ver acabar comigo o meu cuidado.

....Acabarei, pois me entreguei sem arte
A quem pode perder-me e acabar-me
Se ela quiser, e saberá querê-lo;

....Pois, visto que o meu querer pode matar-me,
O seu, que não é tanto em minha parte,
Podendo, que fará senão fazê-lo?


A minha tradução:

....Quando paro a pensar em meu estado
e a ver os passos por que fui trazido,
acho, vendo por onde andei perdido,
que a maior mal podia haver chegado;

....mas quando esqueço do caminho andado,
nem sei como a este mal fui atraído;
sei que me acabo, e mais terei sentido
ver acabar comigo o meu cuidado.

....Acabarei, pois me entreguei sem arte
a quem irá perder-me e acabar-me
se ela quiser, e saberá querê-lo;

....pois, como o meu querer pode matar-me,
o dela, que nem é de minha parte,
podendo, que fará senão fazê-lo?

18 de janeiro de 2007

Epitáfios a Landor

Traduzir poesia é, como se diz, um verdadeiro exercício de criação. Só por meio da recriação/transcriação é possível enxergar pelo olhar do outro, ainda mais quando esse outro lhe é tão distante. E transplantar de uma outra para a nossa própria cultura o seu modo de ver o mundo, estabelecendo pontes de contato, não é só uma forma de ver o outro, mas também de enxergar a nós mesmos.

Em 2005 eu e uns amigos aceitamos o desafio proposto pelo Nelson Ascher de traduzir Epitaph, de Walter Savage Landor, para o português. Desafio aceito, apresento aqui o resultado do nosso exercício coletivo de recriação/recreação. Veja-se que as traduções resultantes são tão variadas, e ao mesmo tempo tão próximas, quanto o são as vozes que lhes deram forma - eis a maravilha da poesia traduzida!


Epitaph

I strove with none, for none was worth my strife.
Nature I loved and, next to Nature, Art:
I warm'd both hands before the fire of life;
It sinks, and I am ready to depart.

(Walter Savage Landor)



Seis epitáfios a Landor

1...Às rixas sem valor não sucumbi.
....Amei a natureza e, como a ela, à arte:
....Mãos no fogo da vida, me aqueci;
....Ele se expira, e parto - sem alarde.
...............(Geraldo Vidigal Neto)

2...Não lutei, pois ninguém o merecia.
....Natureza e arte amei, não sem porfia:
....As mãos fiz quentes no fogo da vida;
....Ele se esvai; eu me apronto à partida.
...............(Guilherme Almeida de Almeida)

3...Sem inimigos, ninguém fez por onde.
....Amante da arte e, mais, da Natureza:
....A vida pelo meu calor responde,
....Cessada a fonte, parto com presteza.
...............(Paulo Ferraz)

4...De ninguém discordei: discordar não valia.
....A Natureza amei, assim como amei a Arte.
....A Vida, cujo ardor minhas mãos aquecia
....E que agora se esvai, diz-me: - Estás pronto. Parte!
...............(Paulo Moura)

5...Sem rivais, com ninguém me desavim.
....Amei a Arte e, além dela, a Natureza.
....Me acolchoei na vida - chama acesa;
....tão logo esfrie, eis quando parto enfim.
...............(Fábio Aristimunho)

6...Não criei rivalidades, pois não vi rivais.
....Amei as Artes muito e a Natureza, mais.
....Quem me aqueceu as mãos foi o calor da vida.
....Sua chama expira: não me atrasem a partida.
...............(Nelson Ascher)


P.s.: Convido você a fazer a sua própria tradução do poema e partilhar aqui com a gente.

16 de janeiro de 2007

O Código Mio Cid

Sempre ouvi de amigos hispânicos que o português para eles soava como um espanhol com arcaísmos. Sabia que essa impressão deles tinha algum fundo de verdade, afinal a recíproca é meio verdadeira, mas só tive a exata dimensão disso quando comecei a ler o Cantar de Mio Cid.

É um poema épico, o único épico da Idade Média hispânica e o primeiro em língua vulgar, com cerca de 3.700 versos em rimas assonantes e temática de romance de cavalaria. Seu autor é desconhecido, tendo sido escrito provavelmente entre os sécs. XII e XIII. O único manuscrito conservado data do Séc. XIV, faltando algumas páginas, entre elas a primeira.

O poema narra as façanhas de Rodrigo Díaz Vivar (1043-1099), o mio Cid do título, figura histórica da época da Reconquista. Mio era uma espécie de pronome de tratamento medieval, relacionado ao sistema de vassalagem – mio Cid era, literalmente, "meu" Cid, "meu senhor" Cid.

Tenho comigo duas edições: a da Editora Planeta, organizada por Colin Smith, uma das mais conceituadas, que traz diversas notas e um longo ensaio introdutório muito bom, e uma edição argentina, que traz o texto adaptado para o espanhol moderno, o que facilita bastante a vida do leitor leigo como eu.



O texto original é repleto de grafias que, para um nativo de língua espanhola, certamente devem lembrar mais o português moderno do que o espanhol. Fiz um rápido levantamento de algumas ocorrências que corroboram com essa impressão:

- palavras que ainda não tinham perdido o F inicial, o que viria a ocorrer posteriormente, ao que me consta por influência do basco: fablar (hablar), fazer (hacer), fermoso (hermoso), fartar (hartar), fijo (hijo), ferir (herir);

- ocorrência do cê-cedilhado: braços (brazos), calças (calzas), cabeça (cabeza);

- ocorrência de duplo S: assí (así), fuessen (fuesen), esso (eso), passar (pasar), missa (misa);

- palavras iniciadas em QUA, praticamente inexistentes em espanhol moderno: quanto (cuanto), quando (cuando);

- troca de B por V: cavallo (caballo), davan (daban);

- certas formas verbais: darvos (daros), mandavan (mandaban);

- em algumas poucas palavras, ocorrência do O grave em vez do ditongo UE: esforço (esfuerzo);

- outras palavras com grafia próxima do português: dexar (dejar), ovir (oír), agora (ahora).

Vê-se que meus amigos têm alguma razão quando dizem que o português parece – ao menos para o ouvido deles, hispânicos – um espanhol arcaizante.

Aproveito para registrar também alguns topônimos que aparecem no Mio Cid, que nada têm a ver com o português mas que são bastante representativos da evolução sofrida pela língua espanhola: Guadalfajara (Guadalajara), Castiella (Castela), Valençia (Valencia), Fariza (Ariza), Fenares (Henares), Sancti Yaguo (Santiago), Atineza (Atienza).

Destaque para um topônimo que me deixou bastante intrigado, que aparece neste verso:

¡d'aqueste acorro.....fablará toda Espanna!
[“deste feito.....falará toda a Espanha!”] - 23ª tirada

Veja só. Ao contrário do que sempre pensei, a Espanha não é uma invenção dos reis católicos, que ao consolidar o estado nacional espanhol teriam artificialmente invocado a Hispania romana para justificar algum direito territorial e ancestral sobre a península. Como o verso demonstra, o sentimento de "hispanidade" já era de alguma forma sentido pelo menos três séculos antes!

Termino arriscando uma tradução da tirada (grupo de versos com uma mesma rima assonante) inicial do poema, apoiado obviamente na versão adaptada que tenho em mãos.

De los sos ojos.....tan fuerte mientre lorando
tornava la cabeça.....y estava los catando.
Vio puertas abiertas.....e uços sin cañados,
alcandaras vazias.....sin pielles e sin mantos
e sin falcones.....e sin adtores mudados.
Sospiro mio Çid.....ca mucho avie grandes cuidados.
Ffablo mio Çid.....bien e tan mesurado:
«¡Grado a ti, señor,.....padre que estas en alto!
¡Esto me an buelto.....mios enemigos malos!»

Dos seus olhos.....tão fortemente chorando
voltava a cabeça.....e os estava olhando.
Viu portas abertas.....e trancas sem cadeados,
suportes vazios.....sem peles e sem mantos
e sem falcões.....e sem açores mudados.
Suspirou meu Cid.....por ter grandes cuidados.
Falou meu Cid.....bem e tão ponderado:
"Bendito sede, Senhor,.....pai que estai no alto!
Isto me foi tramado.....por meus inimigos malvados!"

Para acessar o Cantar de Mio Cid, neste link está a íntegra da edição de Colin Smith.

14 de janeiro de 2007

Mais do mesmo

Já notei que em outras línguas latinas - espanhol e catalão, mais especificamente - também ocorre o fenômeno de empregar "o mesmo" e seus derivados em substituição a pronome pessoal ou demonstrativo (ele, ela, esse, aquele...), o que em português é considerado incorreto. [veja-se a penúltima postagem]

Por isso pergunto: por não ser um fenômeno exclusivo do português, senão talvez uma tendência geral das línguas ibéricas, não seria lícito supor que esse emprego talvez não seja assim tão equivocado? Será que o próprio "DNA" da língua não autoriza o uso de "o mesmo" em substituição a pronome pessoal ou demonstrativo?

A seguir estão alguns exemplos do emprego de "o mesmo" em outras línguas em substituição a pronome pessoal ou demonstrativo. Se alguém encontrar mais exemplos como esses em outras línguas, por favor compartilhe aqui.

*

- Espanhol

Norma da Comissão das Comunidades Européias: "Reglamento (CEE) nº 1251/70 de la Comisión, de 29 de junio de 1970, relativo al derecho de los trabajadores a permanecer en el territorio de un Estado miembro después de haber ocupado un empleo en el mismo."

Norma do Principado de Astúrias: "Este acto pone fin a la vía administrativa y contra el mismo cabe interponer recurso".

- Catalão

Art. 3 da Constituição Provisória da República Catalã, redigida em 1928 em Cuba pela assembléia separatista: "La bandera oficial de la República Catalana és la històrica de les quatre barres roges damunt de fons groc, amb l'addició, en la part superior, d'un triangle blau i estrella blanca de cinc puntes al centre del mateix." *

(*)"A bandeira oficial da República Catalã é a histórica de quatro barras vermelhas sobre fundo amarelo, com a adição, na parte superior, de um triângulo azul e uma estrela branca de cinco pontas no centro do mesmo."

8 de janeiro de 2007

Solecismos ou Um dicionário no elevador

Definição do Houaiss: "solecismo - intromissão, na norma culta de uma língua, de construções sintáticas alheias à mesma, ger. por parte de pessoas que não dominam inteiramente suas regras". Será que o Houaiss quis dar um exemplo prático de solecismo no próprio verbete?

Lembremo-nos da infame plaquinha dos elevadores de São Paulo: "Antes de entrar no elevador verifique se o mesmo encontra-se parado neste andar". O mesmo empregado como pronome é só um dos elementos que compõem essa aberração pictórica.

Eu tenho medo do mesmo!, já dizia a comunidade do orkut. Isso me lembra um poema alheio do saudoso Wallace O'Brian:

ATLAS

Verfique se o mesmo
encontra-se parado.


Numa primeira leitura, o poema talvez remeta apenas à referida plaquinha de elevadores, mas não se engane. Trata-se na verdade de uma invocação ao grande titã condenado a sustentar o mundo nas costas, como se lhe dissesse: "constate, Atlas, a partir de sua perspectiva constelativa, como a mesmice permanece apesar das voltas que o mundo dá!".

Essa interpretação do poema, estritamente literal, só é possível (mas não a única possível) se forem evitados os solecismos do texto original. Sem isso, o que nos resta é um dicionário dentro do elevador - metáfora para os altos e baixos da nossa língua, quando não da nossa lexicografia.

6 de janeiro de 2007

Do Romanceiro Gitano

Um pouco de Lorca (1898-1936).


A casada infiel

.....A Lydia Cabrera
.....e à sua negrinha


E eu que a levei até o rio
achando que era donzela,
mas ela tinha marido.
Foi na noite de Santiago
e quase por compromisso.
Apagaram-se os lampiões
e se acenderam os grilos.
Pelas últimas esquinas
toquei seus peitos dormidos,
que a mim se abriram de pronto
como ramos de jacintos.
A goma de sua anágua
ao meu ouvido soava
como uma peça de seda
lacerada por dez facas.
Sem luz de prata nas copas
as árvores têm crescido,
e um horizonte de cães
ladra bem longe do rio.

*

Passadas as amoreiras,
os juncos e os espinheiros,
para abrigar seus cabelos
fiz um ninho sobre o limo.
Eu tirei minha gravata.
Ela tirou o vestido.
Eu, o cinto com revólver.
Ela, seus quatro corpetes.
Nem flores nem caracóis
têm uma pele tão fina,
nem os cristais sob a lua
resplendem com um tal brilho.
Suas coxas me escapavam
como peixes surpreendidos,
metade cheias de luz,
metade cheias de frio.
Naquela noite trilhei
dos caminhos o melhor,
montado em potra de nácar
sem rédeas e sem estribos.
Não vou dizer, por ser homem,
as coisas que ela me disse.
A luz do entendimento
me faz ser mais comedido.
Suja de beijos e areia
levei-a embora do rio.
Ao vento se digladiavam,
no ar, as espadas dos lírios.

Portei-me como quem sou.
Como um gitano legítimo.
Dei-lhe um cesto de costura
grande, de raso palhiço,
e não quis me enamorar
porque, tendo ela marido,
me disse que era donzela
quando a levava até o rio.

.....trad. Fábio Aristimunho


La casada infiel

.....A Lydia Cabrera
.....y a su negrita

Y que yo me la llevé al río
creyendo que era mozuela,
pero tenía marido.
Fue la noche de Santiago
y casi por compromiso.
Se apagaron los faroles
y se encendieron los grillos.
En las últimas esquinas
toqué sus pechos dormidos,
y se me abrieron de pronto
como ramos de jacintos.
El almidón de su enagua
me sonaba en el oído,
como una pieza de seda
rasgada por diez cuchillos.
Sin luz de plata en sus copas
los árboles han crecido
y un horizonte de perros
ladra muy lejos del río.

*

Pasadas las zarzamoras,
los juncos y los espinos,
bajo su mata de pelo
hice un hoyo sobre el limo.
Yo me quité la corbata.
Ella se quitó el vestido.
Yo el cinturón con revólver.
Ella sus cuatro corpiños.
Ni nardos ni caracolas
tienen el cutis tan fino,
ni los cristales con luna
relumbran con ese brillo.
Sus muslos se me escapaban
como peces sorprendidos,
la mitad llenos de lumbre,
la mitad llenos de frío.
Aquella noche corrí
el mejor de los caminos,
montado en potra de nácar
sin bridas y sin estribos.
No quiero decir, por hombre,
las cosas que ella me dijo.
La luz del entendimiento
me hace ser muy comedido.
Sucia de besos y arena
yo me la llevé del río.
Con el aire se batían
las espadas de los lirios.

Me porté como quién soy.
Como un gitano legítimo.
La regalé un costurero
grande, de raso pajizo,
y no quise enamorarme
porque teniendo marido
me dijo que era mozuela
cuando la llevaba al río.

.....Federico Garcia Lorca

4 de janeiro de 2007

Una altra Lorelei, si us plau

Miquel de Palol (1953- ) é um poeta e prosador catalão, autor de uma vasta obra da qual se destacam os livros El porxo de les mirades (poesia, 1983) e El jardí dels set crepuscles (novela, 1989), ganhadores de diversos prêmios. A Lorelei do título do poema abaixo se refere, suponho, à lenda de uma donzela que se atira de um penhasco por causa de um amor não correpondido e se torna uma sereia cujo canto leva os pescadores à perdição, lenda ao que parece bastante conhecida no foclore e na literatura germânicos.


Salta outra Lorelei, por favor

.......Trad. Fábio Aristimunho

Eis aqui o puteiro onde
se paga para não meter.
É o convento do desprazer
que faz suplicar contra a vida.

Prepara-te, tu que entrarás
aqui, para travar esfíncteres,
ressecar epitélios, não
se rever mais na própria pele.

Aqui se corrompe o ato amável,
aqui se congela a carícia,
aqui é falseado o riso,
é liberado todo assédio.

Aspecto de segredo aqui
terão o respiro e o alento,
aspecto de veto a pergunta
e de maldição o suspiro.

Daqui já não saem projetos
que sirvam senão a castrar.
Sou o carrasco dos sorrisos,
sou o túmulo do desejo.


Una altra Lorelei, si us plau

.......Miquel de Palol

Aquesta és la casa de putes
on es paga per no follar.
És el convent del displaer
per fer resar contra la vida.

Prepara't, tu que hi has d'entrar,
a endurir esfínters, a assecar
epitelis, a no tornar-te
a veure ja mai més la pell.

Aquí es corromp el gest amable,
aquí es congela la moixaina,
aquí és burla la rialla,
és engegada la requesta.

Natura de retret aquí
respir i bleix han de tenir,
natura de vet la pregunta,
de maledicció el sospir.

D'aquí no surt mai cap projecte
que no serveixi per castrar.
Sóc l'escorxador dels somriures,
sóc el sepulcre del desig.