3 de fevereiro de 2010

Resenha no Avui, jornal de Barcelona


Tradução da resenha:

Um tradutor de antologia

Texto: Melcion Mateu

O brasileiro Fábio Aristimunho Vargas antologa e traduz a poesia das quatro literaturas da Espanha das origens até 1939

O 70º Aniversário do término da guerra foi, no Brasil, o pretexto editorial para o lançamento de Poesias de Espanha: das origens à Guerra Civil (São Paulo: Hedra, 2009). Trata-se de quatro antologias – em formato bilíngue, original e português – dos clássicos da poesia galega, castelhana, catalã e basca. Todas selecionadas, anotadas e traduzidas por um só antologista, o jovem poeta Fábio Aristimunho Vargas, nascido há 32 anos na cidade de Foz do Iguaçu, na tríplice fronteira entre o Brasil, a Argentina e o Paraguai.

Olhe-se por onde se olhe, trata-se de um feito excepcional. Poucos devem ser os leitores da literatura das quatro línguas oficiais do Estado [Espanhol] no original. E ainda menos os capazes de recolhê-la, anotá-la e traduzi-la com o cuidado, a dedicação e o conhecimento que demonstra o antologista em questão.

Segundo confessa o próprio na introdução geral aos quatro volumes, o impulso inicial que o levou a assumir essa tarefa enciclopédica foi o fato de que “não havia notícias de obra alguma publicada na Espanha com o propósito de reunir, em uma antologia, a poesia das quatro línguas oficiais daquele país”. O que não temos nem na Catalunha nem na mais vasta Espanha agora já se tem no Brasil.

As quatro antologias foram feitas com critérios históricos e canônicos, que procuram representar os principais períodos e correntes estéticas e dão mais visibilidade – com mais poemas traduzidos – aos autores mais destacados. Este ar acadêmico contrasta com a qualidade das traduções, verdadeiras recriações em verso dos originais.

Por proximidade cultural a antologia galega é a porta de entrada às Poesias de Espanha. Em um breve intercâmbio de e-mails, Fábio admite que “os linguistas são unânimes em reconhecer que o galego e o português são parte de um mesmo sistema linguístico”. Apesar disso, o antologista justifica a sua tradução por aproximá-la “do leitor brasileiro, geograficamente distante e desconhecedor da realidade galega” e pela existência, no Brasil, de “uma certa tradição editorial de se publicar a literatura galega traduzida ao português, coisa que em muitos casos equivale a uma mera adaptação ortográfica”. Talvez por esta razão, as traduções mais interessantes do ponto de vista da recriação literária sejam precisamente as do patrimônio comum da lírica galego-portuguesa, com poemas de Martim Códax, Airas Nunez e Afonso X, entre outros. Fábio Aristimunho Vargas propõe estas versões como modernizações do original medieval sem perder a qualidade poética.

Poeta e advogado

O castelhano é também uma língua bem próxima de Fábio, que além de crescer em uma cidade fronteiriça é filho de paraguaio. Formado em Direito, explica que a sua verdadeira imersão castelhana foi em 2002, quando cursou uma pós-graduação em Salamanca: “Foi nesta mesma ocasião que tive o meu primeiro contato com o catalão e com o basco, de cuja existência eu já tinha conhecimento. A vitalidade das duas línguas me surpreendeu completamente, sobretudo a onipresença do catalão nas ruas e nas placas de Barcelona e o estranhamento que senti no meu primeiro contato com o euskera no País Basco. Esta experiência despertou a minha curiosidade; quanto ao euskera, acrescente-se o fato de eu ser descendente de bascos (o meu sobrenome Aristimunho é de origem basca), sempre tive curiosidade de conhecer as minhas origens”. A seleção em castelhano compartilha dois autores com a antologia galega: Fábio nela recolhe a poesia castelhana de Rosalía de Castro, da mesma maneira que, na antologia galega, recupera alguns poemas em galego de Federico García Lorca.

A antologia catalã – que contou com um apoio do Instituto Ramon Llull – vai desde os trovadores ao poema A Mallorca, durant la Guerra Civil, de Bartomeu Rosselló-Pòrcel, poema que João Cabral de Mello Neto já havia traduzido em Quinze poetas catalães que publicou em 1949. Fábio confessa que foi Ausiàs March o primeiro poeta que o surpreendeu em catalão. “A primeira vez que o li, tive imediatamente a impressão de alguma coisa já conhecida, experimentada, ainda que não soubesse determinar de onde vinha essa impressão”. Depois percebeu a influência que o poeta valenciano teve sobre Garcilaso de la Vega, por mediação de Joan Boscà, mais conhecido como Juan Boscán.

Baladas de tradição oral

Finalmente, na tradução da poesia basca, Fábio se permite mais flexibilidade formal, empregando frequentemente versos brancos, sem rima. Aí se destacam, por sua beleza, as versões de baladas e canções de tradição oral, como Casada e viúva num só dia e A moça raptada.

A apresentação geral do antologista aos quatro volumes realiza uma descrição da realidade plurilíngue da Espanha, e as notas biobibliográficas que acrescenta ao final do seu trabalho refletem a sua curiosidade intelectual e o seu processo criativo. Antologias como estas, em conclusão, deveriam existir em cada uma das línguas do Estado [Espanhol], mas já é uma sorte que existam em português.


(Avui. Suplement Cultura, p. 9. Barcelona, 14 de gener del 2010)