11 de agosto de 2006

Poesia sem fundo

A série abaixo foi feita logo depois dos dois diazinhos que passei no Rio. Está engavetada por enquanto, mas ainda pretendo voltar a ela - e também ao Rio.


POESIA SEM FUNDO

1.
o motorista do ônibus,
mãos grandes e firmes e fortes,
fala somente o indispensável
mas engata uma segunda-feira
como ninguém diria.

2.
na mesa um souvenir:
“lembrança do rio”.
e o dia quente lá fora
invariavelmente mais frio
que o ar-condicionado
aqui de dentro.

3.
a moça da calçada
ela passa tão doce
que chega a ser irritante.
não houvesse tantas passantes
o dia perdia o sal.

4.
enquanto há passarinhos
cantando,
meus cheques passarão,
voando.
se eu tivesse o talonário dos seus olhos
não precisava de tantas desculpas.

5.
o caixa eletrônico
engoliu minha identidade.
e eu que precisava
de um isqueiro novo,
um sonrisal
e uma boa foda.

16 comentários:

Anônimo disse...

Mamae quero ser CDA!

ana rüsche disse...

olá, sr. revel!

pode trocar o modelo, formatação e tudo o mais que não magôa não. veja só, a loira aqui jamais leria o poema sem fundo sem isso, hehehe.

beijinhos e até mais

ps.: e el geraldón, não se anime que vc sempre pode ser a próxima vítima.

ana rüsche disse...

aliás, sobre o poema em si:

acho que já mostra uma radicalização da proposta presente no Medianeira, sabia? coisa em si bem madura por sinal. vamos ficando velhos.

e sobre "os diluidores" de CDA... parece que atribuem ao cara a invenção do verso livre/branco, hahahá. aí qq coisa mais ou menos na linha cotidianesca sofre a "acusação": drummondano! drummondano! drummondando!, hehehe.

prefiro assim, com senso de humor, tensão e boa pegada.

beijo!

longa vida ao medianeiro, hihi.

Eduardo Lacerda disse...

Fábio;

parabéns! frequentarei sepre o blog.

Bom poema, gostei.

Ana, acho que o medianeira possui várias "frentes", este poema é a radicalização de uma delas, talvez não a que eu tenha gostado mais, embora tenha gostado, claro.

Sobre o drumundanismo, o maior desafio está em retomar a fala cotidiana, mas com uma postura contemporânea.. a fala do Tarso na FLAP! (uma parte dela) resumiu bem o que penso... no meio de tanta gente buscando a vanguarda (sic!) um poema simples, lírico, prosaico, etc, é o que se pode fazer de mais inovador.

Beijos, abraços.

Anônimo disse...

Mas se você não procura a vanguarda, que mal tem escrever poemas simples sobre qualquer coisa que estiver na sua frente?
O negócio é poetar. Ponto.


Carol M.

Anônimo disse...

Bom, a questão também reside no conceito de "vanguarda", que tem implicações não só formais, mas políticas, mudar a forma de ver a arte é mudar a forma de ver o mundo, daí que mudar a arte para que ela se torne refém das referências, para que vá para o mundo do incomunicável me parece contraditório. Ser Drummundano (acho o trocadilho bom, embora usado pro mal) não é em si ruim, como ser haroldiano não é em sim ótimo. Diluidores, para ficarmos nos termos poundianos, são diluidores e pronto, pouco importa a família. Escrever sobre escrever não é o futuro da poesia.
PF

Fábio Aristimunho disse...

ei, mamãe, eu não queria ser cda, eu queria ser homero!

mas um cda tá de bom tamanho.

rs.

Fábio Aristimunho disse...

ana, bem que eu quero dar umas calibradas no blog, mas ainda tô apanhando pra aprender, rs.

mas o lay out que vocês fizeram tá show, gostei especialmente da foto dos andaimes, tudo a ver.

beijão

Anônimo disse...

Ei, Drummond:

No meio do caminho tinha um "d"
Tinha um "d" no meio do caminho.

Repare no poema abaixo da sua foto.

Um abraço e parabéns pelo blog.

Anônimo disse...

número 3 na cabeça! meu preferido :-D

Thiago Ponce de Moraes disse...

E aí, Fábio! Como está tudo aí nessa pós-Flap!? Vejo que o Rio te trouxe bons ares; até poemas.

Essa discussão drummondana... Veja: deveria-se desistir desse tal. Ele é muito bem falado pelo não tanto que em si importa.

Outra: o Pound também não é Deus; ou o que o valha. Apesar de não se poder contrastar a ele o Drummond bom velhinho.
Deve-se sempre distanciar ou, ao menos, saber dar distância.
Porque há uns que tomam como verdade suprema um ou outro enunciado.

Ah, sim, creio que a poesia esteja no ordinário. Mas ela não se dá nele. O extraordinário é o outro, tão ordinário quanto eu; só que não eu, outro.

Belo poema, enfim. Só tive esse falatório pelo que o precede, et cetera.

Apareça mais no Rio.

Abraços;

Ponce.

Unknown disse...

acredito que poetas voam... nada mais justo q seus talonários e idéias também rsrsrs

parabéns pelo espaço, ainda que por livre e espancada vontade. estou te adicionando aos links do meu cantinho poético (chegou bem na hora em que eu estava editando o dito cujo)

a poesia pode até ser sem fundo, só não pode ser sem graça. e isso vc e ela têm de sobra!

poetabraços

clauky

ana rüsche disse...

olha só, Mr. Snp!

bombando e com qualidade os comentários, very nice, medianeiríssimo.

concordo com o PF em gênero, nº e degrau - claro que forma e disposição de verso é maneira de se interpretar o mundo e vamos parar com essa bobagem de achar que qualquer visão de mundo é válida e que "quando a arte é bela, tudo se perdoa, tudo se justifica", frase do mexicano David Toscana na FLIP que arrancou aplausos (emprestei fora do contexto, desculpas se a uso em outro sentido). Tô só imaginando mesmo o que justifica...

Obs.: Sobre o mexicano: Blog do Paulo Scott (aliás, este muito legal) http://blog.terra.com.br/blogdaflip/index.htm)

beijinhos, bom os ver por aqui.

Fábio Aristimunho disse...

Sobre o drumundismo:

De novo a tal "etiquetização" da poesia: drumundana, cabralina, bandeirista, gullariana etc. No fim esses rótulos só estreitam a leitura de um poema e podam de início qualquer possibilidade de se perceber outras influências na dicção do poeta. Sim, porque não dá para escrever como se ninguém tivesse escrito antes de você, como se se quisesse evitar influências, fechar-se num casulo que não quer desabrochar. Se foi possível ver uma influência no poema (CDA), não será possível ver outras (MQ, MB etc.)?

No mais, obrigado a todos (Ana, Eduardo, Carol, Paulo F, Victor, Elisa, Ponce, Clauky e anônimo) pelos comentários.

B/A

Anônimo disse...

Sabe, FAV, a estreiteza da crítica chegou até a esse ponto, criou-se uma etiqueta CDA, que na verdade reduz o próprio Drummond a uma de suas sete (ou mais faces), quer saber: que tudo mais vá pro inferno (como dizia o Roberto Carlos, rs), faça o que estiver com vontade de fazer, leia quem vc eleger como os que te agradam. Recorte racional o escambau! Sinceramente, claro que a poesia é construção, mas ela não se resume a construção. A invenção em si é apenas o rastilho da pólvora, muitas vezes a explosão está lá na frente. Outra, conforme a terminologia militar, vanguarda é quem vai na frente, logo é quem morre primeiro!

Anônimo disse...

Dá-lhe Snoop!(no comentário sobre os rótulos). Concordo com você e aproveito para dizer que não defendo a "arte pela arte". Simplesmente acho que quando não temos grandes pretensões (mas afinal para onde queremos ir?), é muito mais fácil nos livrarmos dos rótulos (evita-se o "putz! isso é drummond") e buscarmos uma identidade própria, por mínima que seja.
Para tanto, nada como escrever sempre, muito e sobre qualquer coisa (não é o objeto, é o que fazemos dele).