17 de agosto de 2006

Alguma transversão: A vaca cega

O poema La vaca cega, do catalão Joan Maragall, é um dos poemas mais densos que conheço. Datado do final do século XIX, é de uma tragicidade contida, muda, e ao mesmo tempo bastante lírica: foca uma questão humana (ou animalesca) e com isso atinge o sublime. Mesmo conciso – 23 versos, apenas –, consegue ser um dos maiores monumentos da língua catalã.

Existem traduções do poema para diversos idiomas. No português, parece que a mais conhecida é a do Ronald Polito. Eu arrisquei fazer também a minha pequena transversão, conforme abaixo, que espero que não faça feio.



A VACA CEGA

Trad. Fábio Aristimunho

Topando de cabeça em alguns tocos,
rumando maquinal em busca d’água,
lá vem a vaca solitária. É cega.
Com boa pontaria e uma pedrada,
o zagal lhe vazou um olho, e o outro
cobriu-lhe uma membrana: a vaca é cega.
Da fonte vem beber, como antes vinha,
mas não com a firmeza de outros tempos
nem com as companheiras: vem sozinha.
Suas colegas, por declives, morros,
no silêncio do prado e na ribeira,
balançam o chocalho, enquanto pastam
a relva fresca ao léu... Ela cairia.
Dá de cara no afiado bebedouro
e recua, afrontada; mas retorna,
baixa a cabeça na água e bebe, calma.
Bebe pouco, sem sede. Depois ergue
ao céu, enorme, sua córnea testa
num grande gesto trágico; então pisca
sobre as meninas mortas, e se volta,
órfã de luz embaixo do sol que arde,
palmilhando um caminho inesquecível,
brandindo lânguida uma cauda longa.



O original:

LA VACA CEGA

Joan Maragall

Topant de cap en una i altra soca,
avançant d’esma pel camí de l’aigua,
se’n ve la vaca tota sola. És cega.
D’un cop de roc llançat amb massa traça,
el vailet va buidar-li un ull, i en l’altre
se li ha posat un tel: la vaca és cega.
Ve a abeurar-se a la font com ans solia,
mes no amb el ferm posat d’altres vegades
ni amb ses companyes, no: ve tota sola.
Ses companyes, pels cingles, per les comes,
pel silenci dels prats i en la ribera,
fan dringar l’esquellot, mentre pasturen
l’herba fresca a l’atzar... Ella cauria.
Topa de morro en l’esmolada pica
i recula afrontada; però torna
i abaixa el cap a l’aigua i beu calmosa.
Beu poc, sens gaire set. Després aixeca
al cel, enorme, l’embanyada testa
amb un gran gesto tràgic; parpelleja
damunt les mortes nines, i se’n torna
orfe de llum, sota del sol que crema,
vacil·lant pels camins inoblidables,
brandant llànguidament la llarga cua.



in CAPDEVILA, Josep Ma. (tria). Les cent millors poesies líriques de la llengua catalana. 3. ed. Barcelona: Barcino, 1936. p. 151.

4 comentários:

ana rüsche disse...

oi!

olha não conheço catalão assim para lhe falar, mas está muito bonito o texto, aliás, nunca tinha ouvido sobre a vaca cega, foi um presente no meio dessa tarde.

tô bem feliz com teu blog, muita gente está comentando por aí, hehe.

beijinhos

Anônimo disse...

Muuuuuuuuuuu! É só o que posso dizer, Snoop.

Besos!
Carol M.

Fábio Aristimunho disse...

eu também tô feliz com o meu blog, tenho que me controlar pra ir postando aos poucos o que tenho na manga, rs.

pois é, carol, esse poema é de tirar as palavras da gente.

bjos.

Anônimo disse...

intiresno muito, obrigado