Fábio Aristimunho Vargas
Os Estados conformam sua
organização jurídica e política segundo suas características históricas e
culturais. Os modelos mais frequentes de caracterização da organização política
de um Estado são os seguintes: forma de Estado, forma de governo, sistema de
governo e regime político. A dialética entre centralização e
descentralização do poder político constitui o cerne desses modelos históricos
de organização do Estado.
O movimento de
centralização do poder político remonta à Idade Média, quando a burguesia se
aliou ao rei numa convergência histórica de interesses. Até então o rei era
considerado pouco mais que um senhor feudal mais graduado, a quem os demais
senhores feudais deviam vassalagem, mas ao qual não se submetiam politicamente.
Nesse contexto, o poder político se encontrava pulverizado entre os nobres
locais, que exerciam plenamente sua autoridade nas circunscrições que lhes
coubessem. Organizavam exércitos, promoviam guerras, cobravam impostos,
cunhavam moedas, criavam as próprias leis. O Estado era então uma ficção
jurídica, confundindo-se com o direito de propriedade feudal hereditária,
podendo eventualmente ser repartido entre os herdeiros como se fosse uma
herança qualquer, perpetuando o sistema de vassalagem.
Com a evolução
das relações comerciais e a retomada da vida urbana, a partir da Baixa Idade
Média, tornou-se cada vez mais necessário centralizar o poder em torno do
monarca. A lei do mais forte, uma constante das Relações Internacionais, que
muitas semelhanças guardava com o estado de natureza hobbesiano já naquele
período, fazia com que tivessem maior sucesso e predominassem sobre os rivais
os Estados mais bem organizados. Para atingir o objetivo de constituir-se em um
Estado forte era imperativo ao rei concentrar em torno de si os poderes até
então de titularidade da nobreza feudal. Nesse processo de assalto à nobreza o
rei ganhou um aliado, a burguesia, classe ascendente a quem interessava um
Estado forte que lhe assegurasse os meios para bem desenvolver suas atividades
econômicas. Um Estado bem organizado é capaz de proporcionar um conjunto de
normas estáveis, uma moeda única para o Estado e forças armadas organizadas
para defender o país externamente e manter a ordem interna, tudo de encontro
com os interesses da burguesia, que por sua vez abastecia os cofres reais com
os impostos gerados com sua atividade.
Portugal foi o
pioneiro desse processo, o primeiro Estado-nação centralizado a emergir da
profunda descentralização política característica da Idade Média. Independente
de Castela desde 1143, independência esta consolidada com a Batalha de
Aljubarrota em 1385, a neutralidade de Portugal nos conflitos europeus permitiu
que o país se fixasse em seus problemas internos, permitindo que o poder
monárquico se centralizasse desde muito cedo. Em outros lugares, como a França,
os reis ainda rivalizariam por longo tempo com a nobreza. A centralização
prematura de Portugal é inclusive uma das causas de seu pioneirismo também nas
grandes navegações, proporcionadas por um Estado politicamente organizado e uma
burguesia fortalecida.
Mais tarde,
com a Paz de Vestfália, em 1648, o Estado ganhou um componente a mais a intensificar
a centralização do poder político. A soberania passou a ser considerada um
elemento fundamental e uma prerrogativa inalienável dos Estados, o que na
prática implicava que os monarcas, que nessa altura já haviam reduzido
significativamente a concorrência interna por parte dos nobres, não teriam mais
poderes externos a concorrer com sua autoridade dentro do território por ele
governado. O rei passa a ser incontestavelmente a maior autoridade de um
Estado.
O processo de
centralização do poder em torno da figura do rei perduraria ainda por longo
tempo, desembocando em um fenômeno extremo de supremacia do poder monárquico,
conhecido como Absolutismo. Quando Luís XIV atraiu para a corte toda a nobreza
francesa, cativada com promessas de uma vida fácil e faustosa, o rei não tinha
em mente senão alienar os nobres e inadvertidamente extrair-lhes o poder local
que ainda lhes restava. Essa atração dos nobres franceses para a corte
parisiense é uma metáfora da força centrípeta exercida pela centralização do poder,
ou seja, ilustra com perfeição o movimento que os elementos periféricos – os
nobres e seu poder – realizam em direção ao centro, representado pelo monarca.
Esse extremo
de centralização do poder monárquico, se por um lado benéfico para a unidade do
Estado, era por outro lado extremamente desfavorável para as identidades
regionais. Um estado centralizador ignora as assimetrias regionais, tendendo a
aplainar, de cima para baixo, todas as diferenças. Foi o que ocorreu na França,
em que a Langue d’oïl, predominante
na região do centro político, em Paris, atropelou a Langue d’oc e a cultura a ela associada, em toda a metade
meridional do país.
Da Revolução
Francesa emerge um tipo de Estado tão ou mais centralizador que o existente
durante a época absolutista. A fundamentação ora racional do poder político, no
pressuposto de que “todo poder emana do povo e em seu nome é exercido”, não
contemplava a autonomia de povos com culturas diferentes daquela predominante
no Estado. Ilustrativo disso foi a oficialização de uma única língua nacional
na França, em 1795, em detrimento de línguas regionais como o catalão, o basco,
o bretão e o occitano.
A partir do
Congresso de Viena, em 1815, começa-se a vislumbrar certo movimento de
reivindicação por maior autonomia regional no interior dos Estados. Esse
contexto coincide com o despertar dos movimentos nacionalistas, quando os povos
tomam consciência de si próprios e da unidade que constituem. A segunda metade
do séc. XIX assiste ao despertar de nacionalidades há muito adormecidas, que
passaram a afirmar-se como cultura e a reivindicar alguma representação
política no âmbito do Estado. Não por acaso é nesse período que renascem
literaturas até então decadentes, a exemplo das literaturas catalã, basca,
provençal e finlandesa.
Com o Tratado
de Versalhes, que encerrou oficialmente a Primeira Guerra Mundial, em 1919,
consolidou-se e disseminou-se o princípio da autodeterminação dos povos,
segundo o qual cada povo tem o direito de se autogovernar e conduzir livremente
o próprio destino. Buscando atender a esse imperativo, os Estados aceleraram o
processo de descentralização do poder político, algo que vinha já tomando força
desde meados do séc. XIX, quando se desenvolveram os primeiros movimentos de
afirmação das nacionalidades e tomou forma o constitucionalismo, movimento
político-social que exigia a adoção de uma Carta
Magna que assegurasse os direitos civis e políticos dos cidadãos e
organizasse o Estado e seus poderes.
Na atualidade,
é cada vez mais evidente que certo grau de descentralização é imprescindível
para se viabilizar a administração de um território vasto. Quanto maior o
território de um Estado, maior será a necessidade de descentralização política
e administrativa. Não é por outro motivo que oito dos dez países de maior
extensão territorial adotam a forma federal de Estado, que é um dos modelos
mais descentralizadores da atualidade. Esses Estados federais são, por ordem de
tamanho, Rússia, Canadá, Estados Unidos da América, Brasil, Austrália, Índia e
Argentina. Já a China, o quarto país em extensão territorial e o primeiro em
população, adota o modelo unitário regional, forma de Estado que atende às
necessidades práticas de descentralização administrativa do país sem deixar de
atender aos interesses de centralização política por parte de seu governo
socialista de partido único.
De igual
maneira, a descentralização vai ao encontro dos interesses de sociedades
caracterizadas por profundas divisões culturais. Quanto mais dividida a
sociedade, maior a necessidade de se conceder autonomia às diferentes
identidades que a integram. Atender aos interesses de autonomia das diferentes
identidades é uma maneira de se assegurar a própria unidade do Estado e sua
integridade territorial.
Foi adotando
modelos descentralizados que certos Estados multiculturais conseguiram
manter-se íntegros e viáveis. É o caso da Suíça, país cujas pequenas dimensões
territoriais contrastam com suas profundas divisões culturais, com destaque
para a coexistência de quatro línguas oficiais: alemão, francês, italiano e
romanche. A Suíça se viabilizou como Estado multicultural graças ao modelo
descentralizador desde cedo implantado, em que se garantia grande autonomia às
entidades subnacionais, os cantões. Apesar do nome oficial, Confederação Suíça, o país é na verdade
uma federação, forma de Estado adotada desde 1848.
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