Fábio Aristimunho Vargas
Resumo:
O presente estudo procura
analisar o tratamento dispensado pelo ordenamento jurídico brasileiro à
propriedade intelectual e ao direito de acesso a medicamentos, em consonância
com o Direito Internacional, abordando aspectos históricos de sua evolução legislativa
e a experiência brasileira concernente à restrição aos direitos de propriedade
intelectual em casos de necessidades de saúde pública, sobretudo quanto à
concessão de licenças compulsórias.
Palavras-chaves: propriedade intelectual; comércio
internacional; licença compulsória.
PUBLIC HEALTH
V. INTERNATIONAL TRADE:
Access to
medicines in Brazil under International Law
Abstract: This study seeks to examine the treatment by Brazilian
Law to intellectual property rights and the access to medicines rights, in line
with International Law, addressing historical aspects of its legislative
developments and Brazilian experience concerning to restriction of intellectual
property rights in case of public health needs.
Key words: intellectual property rights; international commerce; compulsory
license.
1
Breve histórico da proteção à propriedade
intelectual na legislação brasileira
A lei imperial que
instituiu os cursos jurídicos no Brasil, de 1827, acabou por introduzir, de
modo inusitado e intempestivo, as primeiras disposições acerca da proteção à
propriedade intelectual do ordenamento jurídico brasileiro. Veja-se o que
dispõe, mantida a ortografia original, a Lei de 11 de agosto de 1827, que “Crêa
dous Cursos de sciencias Juridicas e Sociaes, um na cidade de S. Paulo e outro
na de Olinda”:
Art. 7.º - Os Lentes
farão a escolha dos compendios da sua profissão, ou os arranjarão, não
existindo já feitos, com tanto que as doutrinas estejam de accôrdo com o
systema jurado pela nação. Estes compendios, depois de approvados pela
Congregação, servirão interinamente; submettendo-se porém á approvação da
Assembléa Geral, e o Governo os fará imprimir e fornecer ás escolas, competindo
aos seus autores o privilegio exclusivo da obra, por dez annos.
Essa lei, que criou os
cursos jurídicos no Brasil, que viriam a ser instalados no ano seguinte em São
Paulo e logo depois em Olinda, estipulava, conforme visto, o privilégio para o
autor de explorar sua obra pelo prazo de dez anos. Trata-se de um prazo exíguo
sob qualquer ponto de vista, especialmente por referir-se a obras a serem
produzidas pelos maiores especialistas do país. Mesmo assim, é preciso
reconhecer que constituía um significativo avanço o fato de haver alguma
proteção já àquela época. A título de comparação, no sistema atualmente em
vigor no país (Lei 9610/98, art. 41) protegem-se os direitos patrimoniais do
autor “por setenta anos contados de 1° de janeiro do ano subsequente ao de seu
falecimento”.
A Lei de 28 de agosto de
1830, que “Concede privilegio ao que descobrir, inventar ou melhorar uma
industria util e um premio ao que introduzir uma industria estrangeira”,
introduziu no Brasil a proteção patentária, nos seguintes termos, mantida a
ortografia original:
Art. 4º. O direito do
descobridor, ou inventor, será firmado por uma patente, concedida
gratuitamente, pagando só o sello, e o feitio; e para conseguil-a:
1º. Mostrará por
escripto que a industria, a que se refere, é da sua propria invenção, ou
descoberta.
2º. Depositará no
Archivo Publico uma exacta e fiel exposição dos meios e processos, de que se
serviu, com planos, desenhos ou modelos, que os esclareça, e sem elles, se não
puder illustrar exactamente a materia.
A proteção se estendia de
cinco a no máximo vinte anos, segundo a qualidade da descoberta ou invenção.
Curiosamente, já naquela época previam-se hipóteses de limitação ao direito de
patente em função de interesse público, como quando o agraciado não pusesse em
prática a invenção ou descoberta dentro de dois anos de concedida a patente
(art. 10, 3º) ou quando o “gênero manufaturado ou fabricado” fosse
reconhecidamente nocivo ao público ou contrario às leis (art. 10, 5º). Assim, o
conceito de exploração local da patente foi introduzido, no Brasil, pela lei de
patentes de 1830, que em seu art. 10-3º previa a revogação do direito no caso
de não exploração.
Já a Lei n. 3.129 de 1882
estabelecia não só a revogação decorrente da não exploração, como também a
possibilidade de limitação dos direitos concedidos pela patente a uma região em
que a produção de certos produtos era insuficiente para a demanda do mercado.
No âmbito do Direito
Internacional o Brasil mantém um histórico de vanguarda com relação à adoção de
normas internacionais sobre propriedade intelectual, a despeito de certos
momentos de ofuscamento dessa característica. O país sempre esteve entre os
primeiros a adotar os tratados sobre o assunto, tendo sido o único signatário
latino-americano da Convenção de Paris de 1883 e signatário original da
Convenção de Berna de 1886. O país tardou, no entanto, a adotar a revisão de
Estocolmo da Convenção de Paris, firmada em 1967. Isso se explica pela errática
política industrial adotada pelo governo de então, que privilegiava a
substituição de importações e buscava desenvolver determinados setores
estratégicos da indústria. Por isso, a partir do final da década de 60, o país
passou a não mais admitir o patenteamento de invenções e processos nas áreas
farmacêutica, alimentícia e química.
O conceito de licença
compulsória somente seria introduzido no Brasil com o primeiro Código de
Propriedade Industrial, Decreto-Lei n. 7.903/45, que previa a concessão de licenças
compulsórias nas situações em que a patente não tivesse sido explorada nos dois
anos seguintes à sua concessão, ou quando sua exploração tenha sido
injustificadamente interrompida por um período de tempo superior a dois anos.
Além disso, esta legislação estabelecia os procedimentos relativos à obtenção
de licença compulsória, aos direitos do licenciado e do licenciador e às razões
para seu cancelamento. Embora este Código tenha vigorado por vinte e dois anos,
segundo MÔNICA S. GUISE nenhuma licença compulsória foi concedida (GUISE, 2004,
p. 272).
Durante o governo militar,
três Códigos de Propriedade Industrial estiveram em vigor: os Códigos de 1967,
1969 e 1971. Isso se deveu à pressão da indústria farmacêutica nacional e a um
sentimento de nacionalismo exacerbado então vigente, assim como a um
questionamento, no âmbito internacional, do sistema de patentes por parte dos
países em desenvolvimento. Esses três Códigos previam a licença compulsória em
condições similares ao Código de 1945 acerca da concessão e da revogação.
No Código de 1967, a
grande novidade foi a introdução de licenças compulsórias não exclusivas em
prol do interesse público, ao mesmo tempo em que a exploração local de uma
patente não poderia ser substituída, complementada nem suplementada por
importação.
O Código de 1969 manteve
as disposições do Código anterior acerca da licença compulsória e vetou as
patentes de medicamentos e alimentos, em seu art. 8º, alínea ‘c’.
Em 1970 foi criado um novo
escritório de patentes, o Instituto Nacional de Propriedade Industrial – INPI
e, em 1971, um novo Código manteve as disposições gerais das legislações
anteriores. O Código de 1971 vigorou até 1997.
Entre 1967 e 1971,
conforme visto, nenhuma licença compulsória foi concedida no Brasil e, entre
1971 e 1997, “três licenças compulsórias foram concedidas: as primeiras desde a
introdução do instituto na legislação brasileira. Duas delas foram concedidas
para a patente de uma vacina (fundadas no interesse público) e a outra foi
concedida porque a exploração foi considerada insuficiente para atender aos
requisitos estabelecidos no texto legal” (GUISE, 2004, p. 273).
O Código de 1971
considerava como não patenteáveis as substâncias, matérias, misturas ou
produtos alimentícios, químico-farmacêuticos e medicamentos, de qualquer
espécie, assim como seus respectivos de processos de obtenção ou modificação.
Por conta dessa legislação, o Brasil era alvo de retaliações no comércio
internacional. O ambiente histórico de então era marcado pelas políticas
comerciais protecionistas de cunho nacionalista, que propugnavam por um modelo
industrial brasileiro sustentado em uma política de substituição de
importações, o que a longo prazo resultou em um modelo industrial obsoleto e
ultrapassado.
Com a Constituição de
1988, foi consagrado o “interesse social” na proteção dos direitos de
propriedade intelectual, como se depreende de seu art. 5º, inc. XXIX: “a lei
assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua
utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das
marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o
interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País”. Esse
dispositivo assegura a tutela da propriedade intelectual em nível constitucional
com base no interesse social. Mas não se pode perder de vista o caráter
temporário dessa proteção, o que também está de acordo com o referido interesse
social.
Nos anos 90, com a
introdução de novas políticas liberalizantes no Brasil como as privatizações,
redução das tarifas de importação, negociações multilaterais de comércio, o
ambiente se tornou propício a uma nova legislação sobre propriedade
intelectual. A década de 1990 viu, portanto, o país retornar ao pleno regime
internacional de proteção à propriedade intelectual, com a nova política
industrial do governo.
Em 1993, com a conclusão
das negociações multilaterais da Rodada Uruguai, que redundaram na celebração
do Acordo Constitutivo da OMC, foi introduzido o novo sistema de regulamentação
da propriedade intelectual no comércio internacional com a adoção do Acordo sobre Aspectos
de Direitos de Propriedade
Intelectual Relacionados ao Comércio (TRIPs, na sigla
em inglês )
sem o emprego dos prazos de carência. Esse tratado internacional foi incorporado
à legislação nacional por meio do Decreto 1.355, de 31 de dezembro de 1994, que
promulgou a Ata Final que Incorpora os Resultados da Rodada Uruguai de
Negociações Comerciais Multilaterais do GATT.
Aos países emergentes,
entre os quais o Brasil, foi facultado introduzir as regras do Acordo TRIPs em
sua legislação nacional até 2000. O Brasil, no entanto, optou por não fazer uso
integral do prazo adicional, sendo que, por meio do Decreto Legislativo n. 30,
de 15 de dezembro de 1994, e do Decreto 1.355, de 30 de dezembro de 1994,
introduziu as normas que estabeleciam um patamar mínimo de garantias e direitos
no ordenamento jurídico nacional. Essa legislação entrou em vigor em 1º de
janeiro de 1995.
O Acordo TRIPs promoveu
modificações profundas no ordenamento jurídico brasileiro, principalmente com
relação à patenteabilidade de produtos e processos farmacêuticos, o que acabou
por reintroduzir o Brasil no contexto do comércio internacional globalizado.
A Lei da
Propriedade Industrial, Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, atualmente em
vigor, regulamenta direitos e obrigações relacionados a patentes de invenção e
de modelos de utilidade, registro de desenho industrial, registro de marcas,
indicações geográficas e concorrência desleal. Essa lei tece o mérito de
reintroduzir no país o patenteamento de produtos farmacêuticos, alimentícios e
de substâncias químicas em geral. O capítulo VIII, sessão III, trata da licença
compulsória e prevê a situações para a sua
concessão, tais como (i) licença por abuso de direitos, (ii) licença por
abuso de poder econômico, (iii) licença por não exploração ou exploração
insuficiente, (iv) licença por não satisfação das necessidades do mercado, (v)
licença por dependência e, por fim, (vi) licença por emergência nacional ou interesse
público. Também há a disposição do art. 91, § 2º, que trata da licença que o
empregado cotitular da patente confere ao empregador.
A licença compulsória para
prevenir abusos do titular no exercício de seus direitos ou abuso do poder
econômico está prevista no art. 68 da Lei. O § 1º desse artigo trata da licença
compulsória no caso de exploração incompleta, de não atendimento comercial do
mercado e da não exploração do objeto da patente em território brasileiro. O
art. 70 prevê a concessão de licenças compulsórias para patentes dependentes e
o art. 71 trata da emergência nacional e do interesse público.
2
Exaustão de direitos e importação
paralela no Brasil
Exaustão
de direitos, também chamada de esgotamento de direitos, é o momento em que se
esgota o direito que o titular tem sobre uma patente. Esse momento normalmente
se dá com primeira colocação, pelo titular da patente ou por seu licenciado, de
um produto à venda em um determinado mercado. A partir desse momento, o titular
da patente não mais poderá impedir a revenda do produto nem poderá reclamar
nenhum direito adicional, já que seus direitos se esgotaram. O adquirente que
legalmente adquiriu o produto objeto da patente poderá então comercializá-lo
sem oposição do titular da patente.
A
importação paralela se fundamenta no princípio da exaustão internacional de
direitos. É caracterizada pela entrada de um produto legítimo em um mercado
para o qual não era originalmente direcionado. O importador que adquire o
produto genuíno no exterior é, por definição, diverso do detentor (distribuidor
ou licenciado) do direito exclusivo de utilizar a marca ou a patente em um
determinado território.
A Lei de Propriedade Industrial
brasileira atualmente em vigor claramente privilegia a fabricação no país do
objeto da proteção patentária, atendendo a uma tradicional política
governamental de promover a geração de empregos e riquezas no território
brasileiro. Essa política, contudo, se encontra hoje harmonizada com os
princípios que emanam do Acordo TRIPs, especialmente quanto a três matérias
particulares: a exploração local do objeto da patente, a importação paralela e
a licença compulsória para o titular da patente que não estiver explorando seu
objeto no território nacional.
O art. 42 da referida lei
dispõe que “a patente confere ao seu titular o direito de impedir terceiro, sem
o seu consentimento, de produzir, usar, colocar à venda, vender ou importar com
estes propósitos: I - produto objeto de patente; II - processo ou produto
obtido diretamente por processo patenteado”.
Na sequência, o art. 43-IV
determina expressamente que não constitui infração à patente os atos de comercialização
relativos “a produto fabricado de acordo com patente de processo ou de produto
que tiver sido colocado no mercado interno diretamente pelo titular da patente
ou com seu consentimento”.
Entende-se, assim, que o titular pode
impedir a importação do produto patenteado ou do produto obtido por processo
patenteado, resultando que a exaustão de direitos somente se opera com relação
ao produto colocado no mercado interno (exaustão nacional de direitos). Em
consequência, o titular tem o direito de impedir que um terceiro faça a
importação não autorizada de um produto (importação paralela), mesmo se o
produto tenha sido colocado no mercado externo pelo próprio titular.
Atente-se
que a opção pela exaustão nacional para patentes, como norma geral adotada pela
lei brasileira, foi deliberadamente tomada pelo legislador. Nos projetos de lei
que antecederam a atual Lei de Propriedade Industrial, o atual inc. IV do art.
43 fazia menção também ao mercado externo, que acabou sendo suprimida (Cf. SILVEIRA, 1996, P. 79).
Pelo art. 68, § 1o., I, da referida
Lei, a importação é facilitada não apenas ao titular da patente, mas também a
terceiros:
Art.
68. O titular ficará sujeito a ter a patente licenciada compulsoriamente se
exercer os direitos dela decorrentes de forma abusiva, ou por meio dela
praticar abuso de poder econômico, comprovado nos termos da lei, por decisão
administrativa ou judicial.
Parágrafo
1o. Ensejam, igualmente, licença compulsória:
I - a não
exploração do objeto da patente no território brasileiro por falta de
fabricação ou fabricação incompleta do produto, ou, ainda, a falta de uso
integral do processo patenteado, ressalvados
os casos de inviabilidade econômica, quando será admitida a importação; (…)
[sem grifo no original]
Segundo Simone Scholze, o mérito desse
dispositivo “não é propriamente exigir a fabricação local, mas impedir que haja
monopólio de importação – a importação incide como sanção para quem
injustificadamente não fabrica no Brasil” (SCHOLZE, 2001, P.11).
O § 4º do art. 68 da Lei 9.279
estipula que, no caso de importação para exploração da patente, será admitida a
importação paralela por terceiros. De acordo com uma leitura conjunta dos
artigos 42 e 43, IV, da Lei, o titular, de uma forma geral, tem o direito de
opor sua patente à importação não autorizada do produto patenteado, ainda que
ele tenha sido colocado no mercado externo pelo titular ou com seu
consentimento. Desta forma, mesmo que se admita a exploração por importação, a
lei impõe uma penalidade, que é a cassação do direito assegurado pela patente
de impedir a importação paralela.
Nesse
sentido, a Associação Brasileira da Propriedade Intelectual faz a seguinte
interpretação com relação ao Acordo TRIPs:
2.2. Embora o artigo 6 do TRIPS
exclua, textualmente, as questões relativas à exaustão dos direitos de
propriedade intelectual do escopo do acordo, isso não altera o fato de que,
como consequência de uma discriminação não autorizada pelo artigo 27.1, os
direitos garantidos pela patente são restringidos. Ou seja, embora os países
membros sejam livres para determinar o âmbito em que ocorre a exaustão, uma vez
determinada a extensão dos direitos do titular nesse aspecto, eles não deveriam
ser afetados por uma discriminação relativa ao local de fabricação do produto
patenteado. (ABPI,
Resolução n. 7)
Vê-se, desse modo, que a Lei de
Propriedade Industrial brasileira privilegia a fabricação local, sem,
entretanto, impedir a importação do produto patenteado pelo titular ou por
terceiros caso a produção local seja inviável.
3
O licenciamento compulsório de
patentes de medicamentos no Brasil
Licença compulsória é a
autorização para o uso de uma invenção sem o consentimento do titular da
patente, que pode ser concedida, pela autoridade governamental competente, a um
terceiro ou a um organismo governamental. Essa flexibilidade do direito de
patente está expressamente prevista e regulada pelo art. 31 do Acordo TRIPs.
ART.31 - Quando a
legislação de um Membro permite outro uso(7) do objeto da patente sem
autorização de seu titular, inclusive o uso pelo Governo ou por terceiros
autorizados pelo Governo, as seguintes disposições serão respeitadas:
[nota original] (7) O
termo "outro uso" refere-se ao uso diferente daquele permitido pelo
art. 30.
a) a autorização desse uso será considerada
com base no seu mérito individual;
b) esse uso só poderá ser permitido se o
usuário proposto tiver previamente buscado obter autorização do titular, em
termos e condições comerciais razoáveis, e que esses esforços não tenham sido
bem sucedidos num prazo razoável. Essa condição pode ser dispensada por um
Membro em caso de emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema
urgência ou em casos de uso público não comercial. No caso de uso público não
comercial, quando o Governo ou o contratante sabe ou tem base demonstrável para
saber, sem proceder a uma busca, que uma patente vigente é ou será usada pelo
ou para o Governo, o titular será prontamente informado;
c) o alcance e a duração desse uso será
restrito ao objetivo para o qual foi autorizado e, no caso de tecnologia de
semicondutores, será apenas para uso público não comercial ou para remediar um
procedimento determinado como sendo anticompetitivo ou desleal após um processo
administrativo ou judicial;
d) esse uso será não exclusivo;
e) esse uso não será transferível, exceto
conjuntamente com a empresa ou parte da empresa que dele usufrui;
f) esse uso será autorizado
predominantemente para suprir o mercado interno do Membro que o autorizou;
g) sem prejuízo da proteção adequada dos
legítimos interesses das pessoas autorizadas, a autorização desse uso poderá
ser terminada se e quando as circunstâncias que o propiciaram deixarem de
existir e se for improvável que venham a existir novamente. A autoridade
competente terá o poder de rever, mediante pedido fundamentado, se essas
circunstâncias persistem;
h) o titular será adequadamente remunerado
nas circunstâncias de cada uso, levando-se em conta o valor econômico da
autorização;
i) a validade legal de qualquer decisão
relativa à autorização desse uso estará sujeita a recurso judicial ou a outro
recurso independente junto a uma autoridade claramente superior naquele Membro;
j) qualquer decisão sobre a remuneração
concedida com relação a esse uso estará sujeita a recurso judicial ou outro
recurso independente junto a uma autoridade claramente superior naquele Membro;
k) os Membros não estão obrigados a aplicar
as condições estabelecidas nos subparágrafos "b" e "f"
quando esse uso for permitido para remediar um procedimento determinado como
sendo anticompetitivo ou desleal após um processo administrativo ou judicial. A
necessidade de corrigir práticas anticompetitivas ou desleais pode ser levada
em conta na determinação da remuneração em tais casos. As autoridades
competentes terão o poder de recusar a terminação da autorização se e quando as
condições que a propiciaram forem tendentes a ocorrer novamente;
l) quando esse uso é autorizado para permitir
a exploração de uma patente ("a segunda patente") que não pode ser
explorada sem violar outra patente ("a primeira patente"), as
seguintes condições adicionais serão aplicadas:
ART.31 - Quando a
legislação de um Membro permite outro uso(7) do objeto da patente sem
autorização de seu titular, inclusive o uso pelo Governo ou por terceiros
autorizados pelo Governo, as seguintes disposições serão respeitadas:
[nota original] (7) O
termo "outro uso" refere-se ao uso diferente daquele permitido pelo
art. 30.
a) a autorização desse uso será considerada
com base no seu mérito individual;
b) esse uso só poderá ser permitido se o
usuário proposto tiver previamente buscado obter autorização do titular, em
termos e condições comerciais razoáveis, e que esses esforços não tenham sido
bem sucedidos num prazo razoável. Essa condição pode ser dispensada por um
Membro em caso de emergência nacional ou outras circunstâncias de extrema
urgência ou em casos de uso público não comercial. No caso de uso público não
comercial, quando o Governo ou o contratante sabe ou tem base demonstrável para
saber, sem proceder a uma busca, que uma patente vigente é ou será usada pelo
ou para o Governo, o titular será prontamente informado;
c) o alcance e a duração desse uso será
restrito ao objetivo para o qual foi autorizado e, no caso de tecnologia de
semicondutores, será apenas para uso público não comercial ou para remediar um
procedimento determinado como sendo anticompetitivo ou desleal após um processo
administrativo ou judicial;
d) esse uso será não exclusivo;
e) esse uso não será transferível, exceto
conjuntamente com a empresa ou parte da empresa que dele usufrui;
f) esse uso será autorizado
predominantemente para suprir o mercado interno do Membro que o autorizou;
g) sem prejuízo da proteção adequada dos
legítimos interesses das pessoas autorizadas, a autorização desse uso poderá
ser terminada se e quando as circunstâncias que o propiciaram deixarem de
existir e se for improvável que venham a existir novamente. A autoridade
competente terá o poder de rever, mediante pedido fundamentado, se essas
circunstâncias persistem;
h) o titular será adequadamente remunerado
nas circunstâncias de cada uso, levando-se em conta o valor econômico da
autorização;
i) a validade legal de qualquer decisão
relativa à autorização desse uso estará sujeita a recurso judicial ou a outro
recurso independente junto a uma autoridade claramente superior naquele Membro;
j) qualquer decisão sobre a remuneração
concedida com relação a esse uso estará sujeita a recurso judicial ou outro
recurso independente junto a uma autoridade claramente superior naquele Membro;
k) os Membros não estão obrigados a aplicar
as condições estabelecidas nos subparágrafos "b" e "f"
quando esse uso for permitido para remediar um procedimento determinado como
sendo anticompetitivo ou desleal após um processo administrativo ou judicial. A
necessidade de corrigir práticas anticompetitivas ou desleais pode ser levada
em conta na determinação da remuneração em tais casos. As autoridades
competentes terão o poder de recusar a terminação da autorização se e quando as
condições que a propiciaram forem tendentes a ocorrer novamente;
l) quando esse uso é autorizado para
permitir a exploração de uma patente ("a segunda patente") que não
pode ser explorada sem violar outra patente ("a primeira patente"),
as seguintes condições adicionais serão aplicadas:
i) a invenção
identificada na segunda patente envolverá um avanço técnico importante de
considerável significado econômico em relação à invenção identificada na
primeira patente;
ii) o titular da
primeira patente estará habilitado a receber uma licença cruzada, em termos
razoáveis, para usar a invenção identificada na segunda patente; e
iii) o uso autorizado
com relação à primeira patente será não transferível, exceto com a
transferência da segunda patente.
Esse
precedente motivou a que o governo brasileiro
apresentasse, na 54ª Assembleia Mundial da Saúde ,
ocorrida em Genebra ,
em maio
de 2001, uma proposta de reconhecimento do acesso
a medicamentos para
a Aids como
um direito
humano fundamental ,
proposta essa que
sofreu fortes resistências ,
em especial
dos governos de países
que sediam grandes
multinacionais do setor
farmacêutico . No final ,
os países membros
da Organização Mundial da Saúde (OMS) aprovaram por
unanimidade a declaração proposta pelo governo brasileiro .
Em agosto de 2001 o governo
brasileiro voltou a obter
expressiva redução de preço de medicamentos
de combate à Aids ,
desta vez sobre
o fármaco Nelfinavir. Novamente , mediante
a ameaça de abertura
de processo de licença
compulsória , que
foi suspenso após a negociação com o laboratório
produtor .
Desde então , o programa
brasileiro de prevenção
e tratamento da Aids ,
baseado principalmente
na produção local
de medicamentos genéricos ,
passou a ser frequentemente apontado por organismos internacionais como
um modelo
a ser seguido pelo
países em
desenvolvimento .
Em 14 de
novembro de 2001, os então cento e
quarenta e dois países membros da OMC aprovam em
Doha a “Declaração Ministerial sobre TRIPs e Saúde
Pública ”, garantindo que o Acordo sobre Direitos
da Propriedade Intelectual
Relacionados ao Comércio não se sobreporá a questões
relacionadas à saúde pública .
Em
2007 o governo brasileiro determinou, por meio do Decreto n. 6.108/07, seu
primeiro licenciamento compulsório, referente a duas patentes do medicamento
Efavirenz, de titularidade do laboratório estadunidense Merck, Sharp &
Dohme. A medida resultou do fracasso das negociações entre as partes com vistas
ao estabelecimento de um preço razoável para o princípio ativo, empregado no
coquetel de combate ao HIV e distribuído gratuitamente pelo governo brasileiro
para pacientes contaminados pelo vírus por meio de seu Programa Nacional de
DST/Aids. Reproduz-se
abaixo, na íntegra por pertinente, o texto do referido decreto:
DECRETO
Nº 6.108, DE 4 DE MAIO DE 2007.
Concede
licenciamento compulsório, por interesse público, de patentes referentes ao
Efavirenz, para fins de uso público não-comercial.
O
PRESIDENTE DA REPÚBLICA, no uso da atribuição que lhe confere o art. 84, inciso
IV, da Constituição, e tendo em vista o disposto nos arts. 71 da Lei no 9.279,
de 14 de maio de 1996, e 4º do Decreto no 3.201, de 6 de outubro de 1999,
DECRETA:
Art. 1º
Fica concedido, de ofício, licenciamento compulsório por interesse público das
Patentes nos 1100250-6 e 9608839-7.
§ 1º O
licenciamento compulsório previsto no caput é concedido sem exclusividade e
para fins de uso público não-comercial, no âmbito do Programa Nacional de
DST/Aids, nos termos da Lei no 9.313, de 13 de novembro de 1996, tendo como
prazo de vigência cinco anos, podendo ser prorrogado por até igual período.
(Prorrogação de prazo)
§ 2º O
licenciamento compulsório previsto no caput extinguir-se-á mediante ato do
Ministro de Estado da Saúde, se cessarem as circunstâncias de interesse público
que o determinaram.
Art. 2º
A remuneração do titular das patentes de que trata o art. 1º é fixada em um
inteiro e cinco décimos por cento sobre o custo do medicamento produzido e
acabado pelo Ministério da Saúde ou o preço do medicamento que lhe for
entregue.
Art. 3º
O titular das patentes licenciadas no art. 1º está obrigado a disponibilizar ao
Ministério da Saúde todas as informações necessárias e suficientes à efetiva
reprodução dos objetos protegidos, devendo a União assegurar a proteção cabível
dessas informações contra a concorrência desleal e práticas comerciais
desonestas.
Parágrafo
único. Aplica-se o disposto no art. 24 e no Título I, Capítulo VI, da Lei no
9.279, de 14 de maio de 1996, no caso de descumprimento da obrigação prevista
no caput.
Art. 4º
A exploração das patentes licenciadas nos termos deste Decreto poderá ser
realizada diretamente pela União ou por terceiros devidamente contratados ou conveniados,
permanecendo impedida a reprodução de seus objetos para outros fins, sob pena
de ser considerada ilícita.
Art. 5º
Nos casos em que não seja possível o atendimento à situação de interesse
público com o produto colocado no mercado interno, ou se mostre inviável a
fabricação, no todo ou em parte, dos objetos das patentes pela União ou por
terceiros contratados ou conveniados, poderá a União realizar a importação do
produto objeto das patentes, sem prejuízo da remuneração prevista no art. 2º.
Art. 6º
Caberá ao Ministério da Saúde informar ao Instituto Nacional de Propriedade
Industrial – INPI, para fins de anotação, o licenciamento compulsório concedido
por este Decreto, bem como alterações e extinção desse licenciamento.
Art. 7º
Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação.
Brasília,
4 de maio de 2007; 186º da Independência e 119º da República.
LUIZ
INÁCIO LULA DA SILVA
José
Gomes Temporão
A concessão do
licenciamento se justificava, segundo o decreto, para “fins de uso público
não-comercial” (art. 1º, §1º do Decreto). Além disso, o texto legal atribuiu a
concessão da licença compulsória a circunstâncias de interesse público (art.
1º, §2º). Há previsão quanto à devida remuneração (ou indenização) do titular
da patente, fixada em 1,5% “sobre o custo do medicamento produzido e acabado
pelo Ministério da Saúde ou o preço do medicamento que lhe for entregue” (art.
2º). O laboratório detentor da patente estava obrigado a disponibilizar ao
Ministério da Saúde todas as informações necessárias e suficientes a sua
reprodução, enquanto o governo passaria a ter o dever de protegê-las (art. 3º).
Também se previu a possibilidade de importação paralela do produto (art. 5º).
Seguindo a
iniciativa de países como Estados Unidos e Índia, o governo brasileiro
declarou, em 2008, como de interesse público o antirretroviral Tenofovir
(também conhecido pelo nome comercial, Viread) e em seguida negou o pedido de
patente requerido pelo laboratório canadense Gilead. Inicialmente, portaria do
então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, publicada no Diário Oficial da
União de 09 de abril de 2007, declarou o medicamento como de interesse público.
Em seguida, o Instituto Nacional de Propriedade Intelectual – INPI, órgão do
Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, negou, em 16 de
agosto de 2008, o registro de patente, que tramitava desde 1997, com fundamento
no não atendimento do critério de atividade inventiva (arts. 8º e 13 da Lei de
Propriedade Industrial, Lei n. 9.279/1996). À época dos fatos, o tenofovir era
é um dos medicamentos mais caros do Programa Nacional de DST/Aids, sendo
empregado por mais de trinta mil pacientes a um custo anual de aproximadamente
US$ 40 milhões, conforme comunicado do Ministério da Saúde noticiado pela
imprensa. Negado o pedido de patente, o governo brasileiro passou a comprar o
antirretroviral de outros fabricantes, de países como a Índia, a preços que
representam uma fração dos originalmente praticados pelo laboratório que
pleiteava a patente.
4 Postura da diplomacia brasileira em
matéria de acesso a medicamentos
No âmbito
das negociações multilaterais sobre propriedade
intelectual , é notório
que o país
tem adotado uma postura pró-ativa quanto a defender
seus interesses
de saúde pública .
Dentre as propostas
que o Brasil apoia e vem defendendo junto aos organismos internacionais, algumas podem ser aqui destacadas.[1]
Para o
Brasil, é premente o fortalecimento das salvaguardas
para a saúde
pública existentes no TRIPS, de forma a assegurar
que os governos
tenham o direito de produzir
medicamentos localmente ,
se for do interesse da saúde pública.
Deve-se
também adotar uma interpretação do Acordo TRIPs em
prol da saúde
pública , valendo-se do uso flexível
das salvaguardas e exceções
existentes, incluindo licenciamento compulsório e direito
à implementação de medidas
para importação
paralela de medicamentos .
O
governo brasileiro tem ainda defendido a necessidade de se diminuir ao máximo a burocracia
imposta aos países
para a concessão
de licenças compulsórias; de se prolongar
os prazos de implementação
especificados no TRIPS para os países em desenvolvimento quanto
à proteção de patentes
(tanto do produto
como do processo )
para medicamentos; e de se permitir aos países em desenvolvimento a opção
de excluir medicamentos
do patenteamento por motivos humanitários
ou de saúde
pública , para
poder cumprir
com os objetivos
de salvar vidas ,
combater e controlar
epidemias , e assegurar
que a produção
carente obtenha acesso
a medicamentos essenciais
para o tratamento
de doenças relacionadas com a pobreza.
Mais do
que tudo, é importante estabelecer-se um compromisso internacional com o
objetivo de evitar pressões bilaterais ou regionais sobre
países em
desenvolvimento que
adotem medidas para
implementar seus
direitos no âmbito
do TRIPS visando proteger a saúde pública e
promover o acesso
a medicamentos , nem
pressioná-los para que
apliquem padrões de propriedade
intelectual desnecessariamente rigorosos e potencialmente
prejudiciais.
De igual
maneira, também se tem defendido o apoio a uma moratória
para disputas
movidas contra países
em desenvolvimento
que representam um
entrave a sua
capacidade de promover
o acesso a medicamentos
e proteger a saúde
pública (incluindo o uso do licenciamento
compulsório e medidas
de importação paralela ).
Conclusões
A contradição entre comércio internacional
e direitos humanos , em matéria de acesso
a medicamentos, revela-se um conflito meramente
aparente quando bem analisados os princípios gerais do Direito e os diplomas
legais, internos ou internacionais, em que se assenta a matéria.
De igual maneira, a
frequente alegação de que
a proteção à propriedade
intelectual acaba por se mostrar contrária e restritiva
ao acesso à saúde
é um equívoco a ser
superado, e convém demonstrar que
o direito à saúde
e a proteção à propriedade
intelectual desfrutam de uma relação muito mais harmônica
do que normalmente
se supõe.
É o que tem demonstrado a
experiência brasileira de acesso a medicamentos.
Referências
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e saúde pública :
licenças compulsórias .
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internacional : Anais
do 2º Congresso Brasileiro
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Concede privilegio ao que descobrir, inventar ou melhorar uma industria util e
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______. Decreto n. 6.108, de 4 de maio
de 2007. Concede licenciamento compulsório, por interesse público, de patentes
referentes ao Efavirenz, para fins de uso público não-comercial. Diário Oficial
da União , Brasília, DF, 07 maio 2007.
SCHOLZE,
Simone H. C. Fabricação local, licença compulsória e importação paralela na Lei
de Propriedade Industrial. Revista da
Associação Brasileira da Propriedade Intelectual [RABPI]. São Paulo:
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e a nova lei
de propriedade industrial :
Lei n. 9279 de 14/5/96. São Paulo: Saraiva ,
1996.
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