Medianeiro
Direito – Literatura – Relações Internacionais
20 de maio de 2022
Poema-apresentação de Glauco Mattoso ao livro RODA GENOCIDA SÁDICO NEGADOR
#9052
TACCO QUE SE TOCA [19/05/2022]
Sahiu, de
collectiva creação,
no titulo
dum livro organizado
por Fabio
Aristimunho Vargas, um
palindromo
perfeito para aquillo
que
estamos aguentando no paiz
e ja não
aguentamos mais. A frase
synthetica
diz: "Roda, genocida,
sadico
negador!" Um livro com
mais
phrases desse typo certamente
seria
anthologia antifascista
que
encontra no palindromo um vehiculo
tambem de
engajamento, não apenas
de ludico
ou de eximio passatempo,
ainda que
elogios sempre caibam
àquelle
que no tacco um giz bem passa.
10 de janeiro de 2021
25 de junho de 2019
Mapa - Fronteiras latino-americanas
As quarenta linhas de fronteira terrestres e marítimas hoje em vigor entre os países da América Latina e as questões de limites pendentes
Autores: Fábio Aristimunho Vargas e Gabriel Vargas Gonçalves
1 Fronteira Argentina-Bolívia (terrestre)
2 Fronteira Argentina-Brasil (terrestre)
3 Fronteira Argentina-Chile (terrestre e marítima)
4 Fronteira Argentina-Paraguai (terrestre)
5 Fronteira Argentina-Uruguai (terrestre e marítima)
6 Fronteira Bolívia-Brasil (terrestre)
7 Fronteira Bolívia-Chile (terrestre)
8 Fronteira Bolívia-Paraguai (terrestre)
9 Fronteira Bolívia-Peru (terrestre)
10 Fronteira Brasil-Colômbia (terrestre)
11 Fronteira Brasil-Paraguai (terrestre)
12 Fronteira Brasil-Peru (terrestre)
13 Fronteira Brasil-Uruguai (terrestre e marítima)
14 Fronteira Brasil-Venezuela (terrestre)
15 Fronteira Chile-Peru (terrestre e marítima)
16 Fronteira Colômbia-Costa Rica (marítima)
17 Fronteira Colômbia-Equador (terrestre e marítima)
18 Fronteira Colômbia-Haiti (marítima)
19 Fronteira Colômbia-Nicarágua (marítima)
20 Fronteira Colômbia-Panamá (terrestre e marítima bioceânica)
21 Fronteira Colômbia-Peru (terrestre)
22 Fronteira Colômbia-República Dominicana (marítima)
23 Fronteira Colômbia-Venezuela (terrestre e marítima)
24 Fronteira Costa Rica-Equador (marítima)
25 Fronteira Costa Rica-Nicarágua (terrestre e marítima
bioceânica)
26 Fronteira Costa Rica-Panamá (terrestre e marítima bioceânica)
27 Fronteira Cuba-Haiti (marítima)
28 Fronteira Cuba-Honduras (marítima)
29 Fronteira Cuba-México (marítima)
30 Fronteira El Salvador-Guatemala (terrestre e marítima)
31 Fronteira El Salvador-Honduras (terrestre e marítima)
32 Fronteira El Salvador-Nicarágua (marítima)
33 Fronteira Equador-Peru (terrestre e marítima)
34 Fronteira Guatemala-Honduras (terrestre e marítima)
35 Fronteira Guatemala-México (terrestre e marítima)
36 Fronteira Haiti-República Dominicana (terrestre e marítima
descontínua)
37 Fronteira Honduras-México (marítima)
38 Fronteira Honduras-Nicarágua (terrestre e marítima
bioceânica)
39 Fronteira Nicarágua-Panamá (marítima)
40 Fronteira República Dominicana-Venezuela (marítima)
Fonte: VARGAS,
Fábio Aristimunho. Formação das
fronteiras latino-americanas. Brasília: FUNAG, 2017.
15 de abril de 2017
Génesis, de Darío Lancini
No palíndromo Génesis, o poeta venezuelano Darío Lancini (1932-2010) constrói, com 2.627 caracteres ou 668 palavras, um denso esquete no qual contracenam os personagens Adão, Eva, Iavé, Satã, A Voz, entre outros, em intertextualidade com o Velho Testamento.
*
"Solos seres somos
y serenatas has oído"
GÉNESIS
LUZ: A Eva la raza.
CAOS: Rever la Nada.
DIPSA: Yo sí soy yo.
GÉNESIS
Nada… ¡Luz!
—¿A ti, necio eterno, he temido?
DIOS: Ah, Satán, eres sabio, lo sé. Vaya Dipsa. ¡Adán, al alba haya sol!
ECO: Dudo…, dudo; celosa ya habla la Dipsa, la oí. Decid, ¿el divino Yavé a Adán animó?
DEMONIO: Yo soy luz. ¡Ah! O eres o no eres. ¿Has oído, Dios? ¿Ahora vas a dudar? ¡Oh! Al revés yo voy a misa.
LA NADA: Yavé, no reiré si te domina Satán. Eres simio.
DIPSA: Yo soy Dipsa. Se ver las edades al ocaso. ¿Y Adán… al Edén robó sal o no, Yavé? A Eva yo daba la serenata. Sobornada yace, parirá. ¿Peca, Yavé? Adán robó saliva con sal. ¿Eres o no resoluble? Yo soy la sed.
YAVÉ: Odio… Ah, Satán, eres odio. ¡Ah Dipsa!
LA VOZ: Oh, al oír la Nada… Oh, ¿cesará su sed? Adán al reconocer la luz a Eva le da el botín. Echó Adán al río las edades al nadar. ¡Oh!, es Eva, y yo soy dipsas. Amén. Agraza la Nada. Si osas, Eva, pide, todo te doy: seria soledad, aromas en esa torre… Di, te daré goce raro. ¿Has oído? Dime tú, ¿tierno soy? Dipsa yo soy… Adán, sé ver la Nada.
ADÁN: Yo soy Adán.
YAVÉ: Yo soy Yavé Dios. Oíd.
EVA: Y yo soy Eva, Yavé. Aroma yo doy. ¿Nada seré?
ADÁN: Eva, yo di vid en racimo.
YAVÉ DIOS: Oíd, yo solo soy nada.
ADÁN: (Al oído) — Eva, yo dudo. ¿Celos y amor? Asaz razono, dudo… ¿No hubo Dios? ¡Ah, Dipsa, eres áspid!
EVA: Yo no dudo, no temo. ¡Sé mío! En racimo bebo ese deseo.
YAVÉ: Yo haré mi casa cimera hoy. Yo soy Yavé.
Adán aloja bajo la luz. Alegre vi mi verdad. No baldaba la Nada. Yavé a los seres solaza.
¡Parid, Eva, y yérgase esa grey!
Abel gime… Mi gleba nada dará si allá Caín orinó con ironía.
¿Calláis? ¡Arad, Adán!
«¡Abel!», gime mi gleba. ¡Yérgase esa grey!
Yavé dirá: «¡Paz a los seres! ¡Sol a Eva y Adán!» Alabad la bondad.
Reví mi vergel azul. Aloja bajo la nada Eva, y yo soy Yo. Haré mi casa cimera hoy.
EVA: Yo ese deseo bebo, mi carne oí. Me someto. No dudo, no. Yavé.
DIPSA: Seré áspid. ¿Has oído, Búho? No dudó, no. ¡Zarzas, aroma y sol!
ECO: Dudo…
YAVÉ: Odio la Nada. ¡Adán, yo solo soy Dios! Oíd.
EVA: Yo mi carne divido.
YAVÉ: Nada eres.
ADÁN: Yo doy amor a Eva.
YAVÉ: Yo soy Yavé Dios. Oíd.
EVA: Y yo soy Eva, ¿y nada yo soy? ¿Nada…?
ADÁN: Al revés NADA yo soy.
ÁSPID: Yo sonreí. Tu temido dios ahora recogerá de ti derrotas en esa morada de los aires. Yo de todo te di… Pavesa sois, Adán. Al azar gané más, Áspid yo soy.
YAVÉ: Se horadan las edades al oír la Nada. ¡Oh, Cenit, oblea del Ave azul!, al reconocer la Nada de sus aras echó Adán al río la hoz oval.
ÁSPID: Ha oído, serenatas ha oído Eva, y de sal yo soy.
EL BULO: «¡Ser o no ser…!» El asno cavila.
Sobornada Eva yace, parirá, peca, y Adán robó.
SATÁN: Eres alabado, Yavé. ¿A Eva yo no la soborné? De la nada yo saco las edades al revés. Áspid… yo soy áspid. Oí mis serenatas. ¡Ánimo!
De ti se rieron Eva y Adán. A la sima yo voy. Se ver la hora. ¿Dudas, avaro? ¿Has oído?
DIOS: Ah, ¿seré o no seré? ¡Oh, azul yo soy! Oí. No me domina nada. A Eva yo ni vid le di, cedió al áspid. ¡Al alba haya sol!
ECO: Dudo…, dudo; celosa ya habla la Nada.
ÁSPID: (A Yavé) — Solo ibas. Serenatas has oído. Dime, ¿te honré, te oí? ¡Cenit azul, Adán sí se negó y yo sí soy Áspid! Adán al reverso a cazar al Ave azul sí se negó.
DIOS: Ah, Satán, eres y somos seres solos.
8 de março de 2014
A nova fronteira marítima Colômbia-Nicarágua e o impacto da decisão da Corte Internacional de Justiça
Fábio Aristimunho Vargas[1]
Introdução
Colômbia e
Nicarágua mantêm há décadas um litígio quanto à posse do arquipélago de San
Andrés e Providencia, localizado no Caribe. A questão foi por duas vezes objeto
de litígio junto à Corte Internacional de Justiça. Em sentença datada de 2007,
a Corte entendeu que as três ilhas principais do arquipélago pertencem à
Colômbia, porém não se manifestou quanto a outras ilhotas desabitadas nem
quanto à fronteira marítima entre os dois países.
No segundo
litígio, cuja sentença data de 2012, a Corte confirmou que as ilhotas
pertenciam à Colômbia; por outro lado, a decisão redefiniu as fronteiras
marítimas entre os dois países, atribuindo à Nicarágua uma porção significativa
de mar que até então os colombianos consideravam como parte de seus domínios
marítimos.
O presente artigo
se propõe analisar o litígio marítimo e territorial entre os dois países.
1 Origens do conflito
A Colômbia
justifica seus direitos históricos sobre o arquipélago de San Andrés e
Providencia com base em antigos títulos, como a Real Orden (norma editada pelo
rei destinada aos domínios espanhóis de ultramar) datada de 20 de novembro de
1803, que dispunha o seguinte, in verbis:
El Rey ha resuelto que las islas de San Andrés y la
parte de la Costa de Mosquitos desde el Cabo de Gracias a Dios, inclusive,
hacia el río Chagres, queden segregadas de la Capitanía General de Guatemala y
dependientes del Virreinato de Santa Fé, y se ha servido Su Majestad conceder
al Gobernador de las expresadas islas, D. Tomás O’Neilie, el sueldo de dos mil
pesos fuertes en lugar de los mil quinientos que actualmente disfruta.[2]
Como se vê, esse
documento cedera as referidas ilhas, então pertencentes à Capitania Geral da
Guatemala, ao Vice-Reino de Santa Fé, também conhecido como Vice-Reino de Nova
Granada, jurisdição colonial da Espanha cuja área compreendia os territórios
atuais de Colômbia, Venezuela, Panamá e Equador.
Em 24 e maço de
1928, as duas partes firmaram em Manágua, com o objetivo de “pôr término ao
litígio territorial entre elas pendente e de estreitar os vínculos de
tradicional amizade que as unem”, o Tratado sobre Cuestiones Territoriales
entre Colombia y Nicaragua, também conhecido como Tratado Esguerra-Bárcenas em
referência aos presidentes signatários, ratificado pela Colômbia no mesmo ano e
pela Nicarágua em 1930. Segundo esse acordo a Colômbia passava a reconhecer a
Costa dos Mosquitos (extensão do litoral atlântico da América Central Ístmica)
e ilhas adjacentes como de domínio nicaraguense, ao passo que a Nicarágua
reconhecia a soberania colombiana sobre o arquipélago de San Andrés y
Providencia. Assim dispõe o Tratado de 1928, em seu sucinto texto de apenas
dois artigos:
Artículo I.
La República de Colombia reconoce la soberanía y pleno
dominio de la República de Nicaragua sobre la Costa de Mosquitos compreendida
entre el cabo de Gracias a ios y el río San Juan, y sobre las islas Mangle
Grande y mangle Chico, en el Océano Atlático (Great Corn Island, y Little Corn
Island), y la República de Nicaragua reconoce la soberanía y pleno dominio de
la República de Colombia sobre las islas de San Andrés, Providencia, Santa
Catalina y todas las demás islas, islotes y cayos que haen parte de dicho
Archipiélago de San Andrés.[3]
Na época desse
acordo, o Direito Internacional ainda não se havia ocupado do Direito do Mar,
resultando que as fronteiras marítimas entre os dois países permaneceriam
indefinidas.
Em 4 de fevereiro
de 1980, a Junta de Reconstrucción Nacional da Nicarágua expediu uma Declaração
por meio da qual declarava nulo e inválido o Tratado de 1928. Alegando violação
a sua soberania e que à época da celebração do acordo o país estava
militarmente ocupado pelos EUA, a Nicarágua passou a reclamar como próprias as
ilhotas (cayos) de Roncador,
Quitasueño e Serrana, não incluídos no Tratado de 1928, territórios que nesse
momento eram inclusive objeto de litígio entre Colômbia e EUA. Dizia
textualmente a referida Declaração:
Todas
esas islas, islotes, cayos y bancos [del Archipiélago de San Andrés] son parte
integrante e indivisible de la plataforma continental de Nicaragua, territorio
submergido que es prolongación natural del territorio principal y por lo mismo
incuestionablemente territorio soberano de Nicaragua. [...] Las circunstancias
históricas que vivió nuestro pueblo desde el año 1909 impidieron una verdadera
defensa de nuestra plataforma continental, aguas jurisdiccionales y territorios
insulares que emergen de dicha plataforma continental, ausencia de soberanía
que se manifestó [...][4]
Paralelamente, a
referida Junta divulgou um memorial, denominado Libro blanco, que reunia a documentação que considerava suficiente
para embasar suas reivindicações de soberania sobre certos territórios
insulares e a plataforma continental.
No dia seguinte à
Declaração nicaraguense, o governo colombiano rechaçou por meio de nota as
pretensões daquele país. Paralelamente, preparou um memorial com os principais
argumentos e documentos a sustentar suas pretensões territoriais, denominado Libro blanco de la República de Colombia,
1980. Desde a declaração de nulidade por parte de Manágua, os dois países
têm enfrentado constantes atritos diplomáticos.
2 O litígio na Corte Internacional de Justiça
Em 6 de dezembro
de 2001, a Nicarágua apresentou o caso ante a Corte Internacional de Justiça.
Em seus argumentos a Colômbia alegou que a declaração de nulidade do Tratado de
1928 por parte da Nicarágua constituía um ato unilateral contrário ao Direito
Internacional.
A sentença da
Corte foi proferida em 13 de dezembro de 2007, confirmando que o Tratado de
1928 atribuía à Colômbia a soberania sobre o Arquipélago de San Andrés y
Providencia, embora não se manifestasse acerca das ilhotas de Roncador, Serrana
e Quitasueño nem resolvesse a questão da fronteira marítima entre ambos os
países.
Em uma nova
apreciação da matéria, em sentença datada de 19 de novembro de 2012, a Corte de
Haia endossou que todas as ilhotas em questão – Roncador, Serrana, Serranilla,
Bajo Nuevo, Quitasueño, Albuquerque e Este Sudeste – pertenciam à Colômbia. No
entanto, a Corte redefiniu a fronteira marítima e o domínio sobre as águas
limítrofes entre os dois países, outorgando à Nicarágua cerca de 40% das águas
da região sob litígio, ou 75.000 km2 de mar, que a Colômbia até
então considerava como próprias.
Resumem-se, a seguir, as principais decisões
adotadas pela Corte Internacional de Justiça na sentença de 2012 sobre a
disputa territorial e marítima entre Colômbia e Nicarágua:[5]
(1) Por unanimidade, a Corte entendeu que a
República da Colômbia tem a soberania sobre as ilhas de Alburquerque, Bajo
Nuevo, Este Sudeste,
Quitasueño, Roncador, Serrana e Serranilla;
(2) Por quatorze votos a um, entendeu admissível
a reivindicação da República da Nicarágua de que a Corte julgasse e declarasse
que a forma apropriada de delimitação é um limite da plataforma continental
dividindo por partes iguais os direitos que se sobrepõem a uma plataforma
continental de ambas as partes;
(3) Por unanimidade, rejeitou a solicitação da
Nicarágua de que a Corte traçasse uma fronteira na plataforma continental
dividindo em iguais partes os direitos que se sobrepõem na plataforma
continental dos litigantes;
(4) Por unanimidade, decidiu que a linha da
fronteira marítima única a delimitar a plataforma continental e as zonas
económicas exclusivas da Nicarágua e Colômbia devem seguir linhas geodésicas
que liguem os pontos com as seguintes coordenadas:
Latitude Norte Longitude Oeste
1 . 13° 46’ 35,7” 81° 29’ 34,7”
2 . 13° 31’ 08.0” 81° 45’ 59,4”
3 . 13° 03’ 15,8” 81° 46’ 22,7”
4 . 12° 50’ 12,8” 81° 59’ 22,6”
5 . 12° 07’ 28,8” 82° 07’ 27,7”
6 . 12° 00’ 04.5” 81° 57’ 57,8”
A sentença detalha ainda o modo como
esses pontos devem ser conectados.
(5) Por unanimidade, decidiu que a fronteira
marítima única em torno de Quitasueño e Serrana seguirão, respectivamente, um
“envoltório” (envelope, no original
em inglês) de 12 milhas náuticas de arcos medidos a partir de QS 32 e de
baixios a descoberto localizados dentro de 12 milhas náuticas da QS 32, e um
“envoltório” de 12 milhas náuticas de arcos medidos a partir de Serrana e as
outras ilhotas na sua vizinhança;
(6) Por unanimidade, rejeitou a reivindicação da
Nicarágua de que a Corte declarasse que a República da Colômbia não estaria
agindo de acordo com suas obrigações sob o Direito Internacional ao impedi-la
de ter acesso aos recursos naturais a leste do meridiano 82.
3 Recepção da sentença da Corte Internacional de Justiça
Convém ressaltar
que a Colômbia, ao contrário do que foi por vezes referido na imprensa à época
da sentença, com a decisão da CIJ não perdeu seu mar territorial, que
permaneceu inalterado, mas tão-somente porções de sua zona econômica exclusiva.
O mapa a seguir ilustra a mudança na conformação da fronteira marítima entre
Colômbia e Nicarágua:
Imagem: mapa
que sintetiza as reivindicações das partes e as alterações na fronteira
marítima determinadas pela sentença da Corte de Haia de 2012. Fonte: El
Universal[6]
Essa segunda
decisão da Corte de Haia não foi bem recebida pela Colômbia. Embora o governo
colombiano não negasse a validade da decisão judicial internacional, o então
presidente do país, Juan Manuel Santos, declarou-a “inaplicável”. O governo
nicaraguense até o momento não teve êxito em seus intentos de iniciar
negociações bilaterais quanto à aplicabilidade da sentença.
De igual maneira,
por conta da referida sentença desfavorável de 2012, a Colômbia decidiu se
desligar do Tratado Americano de Soluções Pacíficas (Pacto de Bogotá),
celebrado durante a IX Conferência Panamericana, em 1948, que estabelece
mecanismos para a solução pacífica de controvérsias entre Estados do continente
americano. De acordo com o Pacto de Bogotá, os Estados partes se comprometem a
submeter à Corte Internacional de Justiça as controvérsias surgidas entre si e
a acatarem suas resoluções, nos seguintes termos:[7]
Artigo XXXI
De conformidade com o inciso
2º do Artigo 36 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça, as Altas Partes
Contratantes declaram que reconhecem, com relação a qualquer outro Estado
americano, como obrigatória ipso facto, sem necessidade de nenhum convênio
especial, desde que esteja em vigor o presente Tratado, a jurisdição da citada
Corte em todas as controvérsias de ordem jurídica que surjam entre elas e que
versem sobre:
a) A interpretação de um
tratado;
b) Qualquer questão de
Direito Internacional;
c) A existência de qualquer
fato que, se comprovado, constitua violação de uma obrigação internacional;
d) A natureza ou extensão da
reparação a ser feita em virtude do desrespeito a uma obrigação internacional.
Logo após a proclamação
da sentença da CIJ em 2012, a Colômbia decidiu denunciar o Pacto de Bogotá, no
que se pode considerar uma crítica histórica à atuação da Corte. O instrumento
com a denúncia foi recebido pela Secretaria Geral da Organização dos Estados
Americanos (OEA) na data de 28 de novembro de 2012, tendo um prazo de um ano
para surtir efeitos.
Embora essa
medida por parte da Colômbia não tenha efeitos retroativos nem afete processos
em andamento (“A denúncia não terá efeito algum sobre os processos pendentes e iniciados
antes de ser transmitido o aviso respectivo”, nos termos do Pacto de Bogotá,
art. LVI), devendo o país de qualquer modo acatar a sentença proferida pela CIJ
quanto à fronteira marítima com a Nicarágua, a partir de um ano da denúncia
considerar-se-á cessada a jurisdição da CIJ para demandas futuras propostas por
outros países contra Bogotá.
Conclusão
Desde uma
perspectiva distanciada, não é difícil vislumbrar certos méritos na sentença da
Corte de Haia ao reconhecer, com justiça, os direitos da Colômbia sobre as
ilhas e atribuir porções marítimas à Nicarágua. Quando se contrasta a área
total em litígio, englobando ilhas e mar, com o domínio marítimo da Nicarágua
no Atlântico (mar territorial e zona econômica exclusiva), percebe-se que a
extensão resulta quase equivalente.
Ou seja, um
conjunto de pequenas ilhas com uma área total de 52 km2, habitadas
por uma população de cerca de 85.000 habitantes, tem a sua disposição uma
porção de mar comparável à que possui, em seu litoral Atlântico, um país com
quase 130.000 km2 habitado por 5.5 milhões de habitantes. Mesmo que
se considere tão-somente a Costa de Mosquitos nicaraguense, ou seja, a faixa
litorânea atlântica do país, ainda assim são 400 km de litoral densamente
povoados que defrontam com o arquipélago colombiano. Não seria justo que a
porção insular colombiana recebesse o mesmo tratamento que o território
continental nicaraguense quanto aos direitos sobre o mar e a plataforma
continental, considerando-se os contrastes assinalados.
Essas
constatações podem não ter sido consideradas – como não o foram – na tomada de
decisão dos juízes de Haia em sua salomônica divisão, em que atribuíram à
Colômbia o arquipélago com seu mar territorial e à Nicarágua boa parcela da
zona econômica exclusiva circundante, mas constituem reflexões importantes
sobre o modo como uma decisão judicial como essa pode impactar objetivamente as
populações envolvidas.
Referências bibliográficas
EL UNIVERSAL. No se afectó el mar territorial. 25 de Noviembre de 2012. Disponível em:
.
Acesso em: 17 fev. 2014.
INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Territorial Dispute and Maritime Delimitation (Nicaragua v. Colombia). Summary
of the Judgement of 19 November 2012.
INTERNATIONAL COURT
OF JUSTICE. Territorial Dispute and
Maritime Delimitation (Nicaragua v. Colombia). Summary of the Judgement of 19 November 2012.
REINO DE ESPAÑA.
Real Orden de 20 de novembro de 1803. Apud
REPÚBLICA DE COLOMBIA. Libro blanco de la
república de Colombia, 1980. p. 14.
REPÚBLICA DE
COLOMBIA. Libro blanco de la República de
Colombia, 1980. Diego Uribe Vargas, Ministro de Relaciones Exteriores.
Bogotá: Imprenta Nacional, 1981. Disponível em:
. Acesso em: 17
fev.2014.
REZEK, Francisco. Direito Internacional Público. São
Paulo: Saraiva, 2009.
TRATADO AMERICANO DE
SOLUÇÕES PACÍFICAS (Pacto de Bogotá). Conclusão e assinatura: Bogotá –
Colômbia, 30 de abril de 1948. Promulgação no Brasil: Decreto nº 57.785, de 11
de fevereiro de 1966.
[1] Mestre
em Direito e doutorando em Integração da América Latina pela USP. Professor do
curso de Relações Internacionais da Universidade Federal da Integração
Latino-Americana (Unila).
[2] REINO DE
ESPAÑA, apud REPÚBLICA DE COLOMBIA, 1981,
p. 14. Há pequenas diferenças textuais entre o texto ora reproduzido e o
encontrado em outras fontes, a começar pelo nome da medida, ora designada como
Real Cédula (desígnio direto do soberano, que firmava “Yo, el Rey”), ora como
Real Orden (decreto firmado por um ministro expressando a vontade do soberano).
Também os valores do soldo do governador divergem entre mil e duzentos pesos
fortes “anuais” e mil e quinhentos pesos fortes. Ademais, a fonte ora
empregada, o Libro blanco colombiano,
data a medida de 30 e novembro de 1803, em vez de 20 de novembro, sendo que
esta última nos parece a acertada.
[3]
REPÚBLICA DE COLOMBIA, 1981, p. 90.
[4]
NICARAGUA, Declaración del 4 de febrero de 1980. Apud REPÚBLICA DE COLOMBIA, Libro
blanco..., p. 81. A confissão de “ausência de soberania” por parte da
Nicarágua, ao final do fragmento transcrito, seria empregada pelo governo
colombiano como prova e confissão da improcedência das reivindicações
nicaraguenses.
[5] INTERNATIONAL COURT OF JUSTICE. Territorial Dispute and Maritime
Delimitation (Nicaragua v. Colombia). Summary of the Judgement of 19 November
2012. p. 11-13.
[6] EL UNIVERSAL. No se afectó el mar
territorial. 25 de Noviembre de 2012. Disponível em:
.
Acesso em: 17 fev. 2014.
[7] Tratado Americano de Soluções Pacíficas (Pacto de
Bogotá). Conclusão e assinatura: Bogotá – Colômbia, 30 de abril de 1948.
Promulgação no Brasil: Decreto nº 57.785, de 11 de fevereiro de 1966.
1 de março de 2014
A política externa boliviana em face da reivindicação marítima contra o Chile
Fábio
Aristimunho Vargas[1]
Introdução
A fronteira entre Bolívia e
Chile se caracteriza, desde o fim da Guerra do Pacífico (1879-1883), pela
reivindicação boliviana pela reintegração de sua saída marítima, perdida para o
Chile no conflito. Esse tem sido um foco permanente de desavença entre os dois
países, que dedicam esforços significativos de suas diplomacias para lidar com
a questão.
A reivindicação pela saída
marítima se converteu, há mais de um século, na base fundamental da política
externa boliviana, levando inclusive à ruptura das relações bilaterais por mais
de três décadas.
O presente artigo busca
analisar as origens do conflito, que remontam à Guerra do Pacífico, sua
evolução e a recente inserção na constituição boliviana de um dispositivo
acerca da reivindicação marítima.
1 Origens da
controvérsia e a Guerra do Pacífico
A reivindicação
boliviana sobre o litoral se baseia em títulos que remontam ao período colonial,
quando do estabelecimento dos primeiros assentamentos e das audiencias, organismos dedicados a
desempenhar funções judiciais, por parte do Império Espanhol em suas terras no
Novo Mundo.
Em carta
endereçada ao imperador Carlos V de Espanha, datada de 15 de outubro de 1550, o
conquistador espanhol don Pedro de Valdivia, reconhecido como o fundador do
Chile, já mencionava o paralelo 25 como o limite norte de sua jurisdição.
A Real Audiencia
de Charcas, com sede na cidade de Chiquisaca, atual Sucre, foi a mais alta
autoridade jurídica de todo o território que compreende o Alto Peru, Tucumán,
Rio da Prata e Paraguai. Foi criada pela Real Cédula de 18 de setembro de 1559,
pelo rei Felipe II da Espanha, e seus limites foram fixados pela Real Cédula de
29 de agosto de 1563.
A Recopilación de
Leyes de las Indias, de 1680, compilação de toda legislação promulgada pelos
monarcas espanhóis para regular suas nas Américas e nas Filipinas (as Índias), reproduz
a cédula de 1563 em seu Libro II (De las
Leyes, Provisiones, Cedvlas, y Ordenanças Reales), Título XV (De las Audiencias, y Chancillerias Reales de
las Indias), Ley IX (Audiencia y
Cancilleria Real de la Plata, Provincia de los Charcas).
Imagem: fac-simile da norma colonial que estabeleceu a
circunscrição geográfica da Real Audiencia de Charcas, cerne da atual Bolívia.[2]
O presidente Real
Audiencia de Charcas acumulava o cargo de Capitán General de La Plata, gozando,
portanto, de faculdades administrativas além das judiciais. Durante os dois
primeiros séculos de colonização, quando pertencia ao Vice-Reino do Peru,
Charcas foi um dos centros mais prósperos e densamente povoados dentre as
colônias espanholas no Novo Mundo e Potosí, a cidade mais importante do Império
Espanhol no hemisfério ocidental. Com o esgotamento das minas de prata, a
região entrou em declínio a partir das últimas décadas do séc. XVIII. Em 1776,
a Real Audiencia de Charcas passou a integrar o Vice-Reino do Prata, sediado em
Buenos Aires.
Quanto a sua
abrangência territorial,
se estableció en los
distintos mapas de la época que Charcas abarcaba desde el Río Loa en el norte a
los 21º y el Río Salado en el Sur entre los grados 26° y 27°. Fundamentado en el uti possidetis juris de 1810, la República de Bolivia nace a la
vida independiente sobre el territorio correspondiente a la antigua
jurisdicción de Charcas. Los primeros años de la República, Atacama era una
provincia dependiente de la prefectura de Potosí y en 1837 se creó el
Departamento del Litoral, el cual se dividía en dos provincias, La Mar y
Atacama.[3]
Em seu complexo
processo de independência, a Bolívia se constituiu sobre as bases territoriais
da antiga Audiencia de Chacras.
Em 1833, Chile e
Bolívia firmam seu primeiro Tratado de Amistad, Comercio y Navegación. Algumas
fontes apontam esse tratado como aquele em que pela primeira vez se reconheceu
o paralelo 25 como o limite entre os dois países,[4]
porém, em nossa leitura do acordo, nada encontramos em seu texto original, nem
no Artigo adicional criado no ano seguinte, que pudesse corroborar esse
entendimento.
A partir da
década de 1840, a crescente importância econômica do salitre levou a que muitos
chilenos, sem autorização do governo boliviano, se estabelecessem no deserto do
Atacama, região rica em depósitos de nitrato e guano, com o objetivo de
explorar esses recursos. A ocupação chilena da região levou à revisão das
fronteiras entre os dois países, com a assinatura do primeiro Tratado de
Límites entre la Republica de Chile y la de Bolivia, em 1866, cujo preâmbulo
estabelecia o seguinte:
La República de Chile y la
República de Bolivia, deseosas de poner un termino amigable y recíprocamente
satisfactorio a la antigua cuestión pendiente entre ellas sobre la fijación de
sus respectivos limites territoriales en el desierto de Atacama y sobre la explotación
de los depósitos de guano existentes en el literal del mismo desierto, y
decididas a consolidar por este medio la buena inteligencia, la fraternal amistad
y los vínculos de alianza intima que las ligan mutuamente, han determinado
renunciar a una parte de los derechos territoriales que cada una de ellas,
fundada en buenos títulos, cree poseer, y han acordado celebrar un tratado que
zanje definitiva e irrevocablemente la mencionada cuestión.
Vê-se que já
naquela época os dois países se empenhavam em resolver a questão territorial do
Atacama, recorrendo a meios pacifistas e no espírito de boa vizinhança, pelo
menos no discurso. A necessidade de resolver a pendência fronteiriça e o
discurso pacifista até hoje permanecem, embora o território tenha mudado de
mãos em uma guerra e as circunstâncias sejam outras.
Assim dispunha o
Tratado de 1866 quanto aos limites territoriais:
Artículo 1º. La línea
de demarcación de los límites entre Chile y Bolivia en el desierto de Atacama,
será en adelante el paralelo 21 de latitud meridional desde el litoral del
Pacífico hasta los límites orientales de Chile, de suerte que Chile por el sur
y Bolivia por el norte tendrán la posesión y dominio de los territorios que se
extienden hasta el mencionado paralelo 24, pudiendo ejercer en ellos todos
los actos de jurisdicción y soberanía correspondientes al señor del suelo.
O paralelo 24 de
latitude sul passava a ser linha divisória entre Bolívia e Chile. Logo se vê
que a fronteira entre os dois países vinha recuando em detrimento da Bolívia,
havendo passado de algo entre os paralelos 26 e 27, da jurisdição de Charcas no
período colonial, ao paralelo 24 com o Tratado de 1866, ao mesmo tempo em que a
presença de cidadãos chilenos ia se tornando massiva no litoral e no Atacama
bolivianos.
O dispositivo
seguinte do tratado ia além, criando uma espécie de “mancomunidade” para a
exploração dos depósitos de guano. Mancomunidade é um instituto originário do
Direito Espanhol que estabelece uma forma associativa de organização de certos
entes da administração pública, sejam municípios ou províncias, para a
consecução de um objetivo comum, delegando-se parcelas de competências a uma
entidade. Textualmente:
Artículo 2º. No
obstante la división territorial estipulada en el artículo anterior, la
República de Chile y la República de Bolivia se repartirán por mitad los
productos provenientes de la explotación de los depósitos de guano descubiertos
en Mejillones y de los demás depósitos del mismo abono que se descubrieren en
el territorio comprendido entre los grados 23 y 25 de latitud meridional, como
también los derechos de exportación que se perciban sobre los minerales extraídos
del mismo espacio de territorio que acaba de designarse.
Assim, pelo
Tratado de 1866, seriam repartidos por igual os recursos da exploração dos
depósitos de guano e demais recursos localizados entre os paralelos 23 e 25, ou
seja, em parcelas iguais do território da Bolívia e do Chile, lembrando-se que
a fronteira era no mesmo ato estabelecida no paralelo 24.
Em 6 de fevereiro
de 1873, Bolívia e Peru firmaram, em Lima, o Tratado de Alianza Defensiva,
também conhecido como Pacto Secreto Perú-Bolivia e Tratado Riva Agüero-Benavente,
um acordo sigiloso entre os dois países com vistas a garantir a soberania mútua
e a se defender contra toda agressão exterior, nos seguintes termos:
Artículo I.
Las altas partes
contratantes se unen y ligan para garantizar
mutuamente su independencia, su soberanía y la integridad de sus territorios
respectivos, obligándose en los términos del presente Tratado a defenderse contra toda agresión exterior,
bien sea de otro u otros Estados independientes o de fuerza sin bandera que no
obedezcan a ningún poder reconocido.
Artículo II.
La Alianza será efectiva
para conservar los derechos expresados en el artículo anterior, y en los casos
de ofensa, que consistan:
1.° En actos dirigidos a privar a alguna de las Altas Partes
contratantes de una porción de su territorio, con ánimo de apropiarse su
dominio o de cederlo a otra potencia.
2.° En actos dirigidos a someter a cualquiera de las Altas Partes
contratantes a protectorado, venta o cesión de territorio, o a establecer sobre
ella cualquiera superioridad, derecho o preeminencia que menoscabe u ofenda el
ejercicio amplio y completo de su soberanía e independencia.
3.° En actos dirigidos a
anular o variar la forma de Gobierno, la Constitución política o las leyes que
las Altas Partes contratantes se han dado o se dieren en ejercicio de su
soberanía.
Artículo III.
Reconociendo ambas partes contratantes que todo acto legítimo de
Alianza se basa en la justicia, se establece para cada una de ellas,
respectivamente, el derecho de decidir si la ofensa recibida por la otra, está
comprendida entre las designadas en el artículo anterior.
[...]
Artículo VIII.
Las altas partes
contratantes se obligan también:
1.° A emplear con preferencia, siempre que sea posible, todos los medios
conciliatorios para evitar un rompimiento o para terminar la guerra, aunque el
rompimiento haya tenido lugar, reputando entre ellos, como el más efectivo, el
arbitraje de una tercera potencia.
[...]
Artículo adicional.
El presente Tratado de
Alianza defensiva entre Bolivia y el Perú, se
conservará secreto mientras las dos Altas Partes contratantes, de común
acuerdo, no estimen necesaria su publicación.[5]
Como se pode
ver pelo disposto nos artigos I e II, Bolívia e Peru estabeleceram com o Pacto
Secreto uma aliança de caráter exclusivamente defensivo, buscando proteger-se
contra toda agressão externa e garantir sua mútua independência, sua soberania
e a integridade de seus territórios. As intenções defensivas foram enfatizadas
pelo art. VIII, segundo o qual as parte se obrigariam a empregar todos os meios
conciliatórios para evitar um rompimento ou para terminar a guerra, ainda que o
rompimento tenha tido lugar, podendo-se inclusive recorrer à arbitragem de uma
terceira potência. O tratado secreto, no entanto, viria a ser usado pelo Chile
como pretexto para, mais tarde, declarar guerra ao Peru, com base no suposto
caráter ofensivo e intensões expansionistas do país expressas no tratado.
Em 6 de agosto de
1874 foi firmado um segundo Tratado de Límites entre Bolívia e Chile, que, em
linhas gerais, manteve a fronteira no paralelo 24 e a mancomunidade sobre a
exploração dos recursos minerais, dispondo-se que as indústrias chilenas não
seriam gravadas com impostos durante vinte e cinco anos. O Tratado de 1866
quedou expressamente revogado.
O preâmbulo desse
acordo reiterou o tradicional discurso diplomático referente à manutenção da
paz e das boas relações:
Las repúblicas de Chile y de
Bolivia, estando igualmente animadas del deseo de consolidar sus mutuas y
buenas relaciones y de apartar por medio de pactos solemnes y amistosos todas
las causas que puedan tender a enfriarlas o entorpecerlas, han determinado
celebrar un nuevo tratado de límites que, modificando el celebrado en año de
1866, asegure en lo sucesivo a los ciudadanos y a los gobiernos de ambas repúblicas,
la paz y la buena armonía necesarias para su libertad y progreso.
Na sequência, o
mesmo Tratado de 1874 endossou a linha de fronteira estabelecida pelo Tratado
de 1866:
Artículo 1º. El
paralelo del grado 24 desde el mar hasta la Cordillera de los Andes en el divortia aquarum es el límite
entre las repúblicas de Chile y de Bolivia.
Divortium aquarum é o divisor de águas
ou linha de separação das águas, uma linha imaginária separadora das águas
pluviais, que escoam em direções diferentes, dividindo um território em bacias
hidrográficas. A fronteira entre Chile e Bolívia correria, segundo o art. 1º do
Tratado de 1874, pelo paralelo 24 de latitude sul desde o mar até o divisor de
águas nos Andes.
No artigo
seguinte foi ratificada a demarcação prévia dos paralelos 23 e 24, ou seja, a
porção do território boliviano em “mancomunidade” com o Chile, assim como os
seus efeitos jurídicos, estabelecendo-se um modo de solução técnica de dúvidas
quanto à eventual localização de uma mina que recorreria, curiosamente, para a
indicação de um perito por parte do imperador do Brasil:
Artículo 2º. Para los
efectos de este tratado se consideran firmes y subsistentes las líneas de los
paralelos 23 y 24, fijados por los comisionados Pissis y Mujía y de que da
testimonio el acta levantada en Antofagasta el 10 de febrero de 1870.
Si hubiere duda acerca de la
verdadera y exacta ubicación del asiento minero de Caracoles o de cualquier
otro lugar productor de minerales, por considerarlos fuera de la zona
comprendida entre esos paralelos, se procederá a determinar dicha ubicación por
una comisión de dos peritos nombrados uno por cada una de las Partes
Contratantes, debiendo los mismos peritos nombrar un tercero en caso de
discordia; y si no se aviniesen para ese nombramiento, lo efectuará S. M. el
Emperador del Brasil. Hasta que no aparezca prueba en contrario relativa a esta
determinación, se seguirá entendiendo, como hasta aquí, que ese asiento minero
esta comprendido entre los paralelos indicados.
Na sequência, o
Tratado de 1874 manteve a sociedade existente entre os dois países na
exploração dos referidos recursos, tal como até então configurada:
Artículo 3º. Los
depósitos de guano existentes o que en adelante se descubran en el perímetro de
que habla el artículo anterior, serán partibles por mitad entre Chile y
Bolivia; el sistema de explotación, administración y venta se efectuará de
común acuerdo entre los gobiernos de las dos repúblicas en la forma y modo que
se ha efectuado hasta el presente.
Por fim, o artigo
4º do Tratado estabeleceu, pelo prazo de vinte e cinco anos, isenção tributária
em benefício dos produtores chilenos em território boliviano para além dos
impostos e contribuições até então vigentes.
Artículo 4º. Los
derechos de exportación que se impongan sobre los minerales explotados en la
zona de terreno de que hablan los artículos procedentes, no excederán la cuota
de la que actualmente se cobra, y las personas, industrias y capitales chilenos
no quedarán sujetos a más contribuciones de cualquiera clase que sean que las
que al presente existen.
La
estipulación contenida en este artículo durará por el término de veinticinco
años.
Como não havia
reciprocidade nessa cláusula, ou seja, não se asseguravam os mesmos direitos a
eventuais produtores bolivianos em território chileno, é de se questionar se
não restaria sobremaneira afetado o equilíbrio entre as altas partes
contratantes devido à onerosidade excessiva a uma delas, o que poderia implicar
a nulidade do tratado.
Os demais
dispositivos do Tratado de 1874 dispunham sobre a liberdade de importação
recíproca na zona mancomunada, a habilitação de certos portos da região e a
derrogação do Tratado de 1866.
Em 25 de outubro
de 1875 foi firmado um Protocolo ou Tratado Complementario, acessório em
relação ao Tratado de 1874, em que se endossava a exploração conjunta dos
recursos do território compreendido entre os paralelos 23 e 25 de latitude sul,
assim como se estabelecia o recurso à arbitragem para resolver quaisquer
questões referentes à interpretação e execução do Tratado de 1874.
Textualmente:
Artículo 1º. Se declara
que el sentido que debe darse a la comunidad en la explotación de guanos
descubiertos y por descubrirse, de que habla el artículo 3º del tratado del
seis de agosto de mil ochocientos setenta y cuatro, se refiere al territorio
comprendido entre los paralelos 23 y 25 de latitud sur.
Artículo 2º. Todas las
cuestiones a que diere lugar la inteligencia y ejecución del tratado del seis
de agosto de mil ochocientos setenta y cuatro, deberán someterse al arbitraje.
Nesse mesmo ano,
a Bolívia impôs o pagamento “de 10 centavos de boliviano por cada quintal de
salitre explotado a empresas chileno-británicas que tenían concesiones en
territorio boliviano”,[6]
desconsiderando a isenção prevista no art. 4º do Tratado de 1874, que o Chile
considerou violado.
Após essa
violação, a Bolívia propôs que a questão fosse resolvida por arbitragem, nos
termos do Tratado Complementario de 1875.
O Chile, no
entanto, ocupou os portos de Antofagasta, Cobija, Mejillones, Calama, Atacama e
as jazidas mineiras de Caracoles. Bolívia e Peru puseram em prática sua aliança
secreta, em 1879, com o objetivo de defender o território boliviano da invasão
chilena. O Chile então declarou guerra à Bolívia e ao Peru em 5 de abril de
1879.
Enquanto se
desenrolava o conflito tripartite, a Argentina foi convidada a integrar a
aliança entre Peru e Bolívia contra o Chile. O parlamento argentino chegou a
aprovar o Pacto de Alianza Defensiva, mas este acabou não cumprindo todos os
trâmites. De qualquer maneira, o governo argentino aproveitou a situação para ocupar,
em 1881, a porção da Patagônia então controlada pelo Chile e, ameaçando abrir
uma nova frente de conflito, obrigou esse país a firmar o Tratado de Límites de
1881 que reconhecia as reivindicações de Buenos Aires.
Como saldo da
Guerra do Pacífico, que durou de 1879 a 1883, a Bolívia perdeu seu acesso
soberano ao mar e diversos portos, num total de 120.000 km2 de
território que foram incorporados pelo Chile. De igual maneira, as províncias
peruanas de Arica e Tacna passaram a ser controladas pelo Chile.
Em 1884, Bolívia
e Chile firmaram o Pacto de Tregua, por meio do qual se encerra o conflito
entre as partes e o Chile legitima sua ocupação dos territórios bolivianos.
Em 1888, o
governo chileno declara a anexação do Departamento del Litoral, boliviano, à
sua jurisdição com o nome de provincia de Antofagasta.
Em 1895 foram
firmados novos acordos entre os dois países. O Tratado Especial de 1895, que redefiniu
as fronteiras decorrentes da Guerra do Pacífico levando em conta uma
saída soberana para a Bolívia no Oceano Pacífico, acabou não sendo aprovado
pelo parlamento chileno. Também foram firmados um Tratado de Comercio e um Protocolo,
este com o objetivo de definir o alcance e a obrigatoriedade do Tratado
Especial de 1895.
O Tratado de Paz
y Amistad de 1904, firmado em 20 de outubro desse ano, cedia ao Chile o
litoral boliviano em caráter perpétuo em troca de uma indenização de 300.000
libras esterlinas, um regime de livre trânsito, benefícios alfandegários e a
construção, a expensas do Chile, de uma estrada de ferro de Arica a La Paz.
Sobre esses
assuntos, dispõe o Tratado de Paz y Amistad de 1904 nos seguintes termos:
Artículo 2º. Por el presente
Tratado, quedan reconocidos del dominio
absoluto y perpetuo de Chile los territorios ocupados por éste en virtud
del artículo 2º del Pacto de Tregua de 4 de Abril de 1884. El límite de Sur a
Norte entre Chile y Bolivia será el que se expresa a continuación: [...]
Artículo 3º. Con el fin de
estrechar las relaciones políticas y comerciales de ambas Repúblicas, las Altas
Partes Contratantes convienen en unir el
puerto de Arica con el Alto de La Paz por un ferrocarril cuya construcción
contratará a su costa el Gobierno de Chile, dentro del plazo de un año, contado
desde la ratificación del presente Tratado. La propiedad de la sección
boliviana de este ferrocarril se traspasará a Bolivia a la expiración del plazo
de quince años, contado desde el día en que esté totalmente terminado.
Con igual fin, Chile contrae el compromiso de
pagar las obligaciones en que pudiera incurrir Bolivia por garantías hasta por
cinco por ciento sobre los capitales que se inviertan en los siguientes
ferrocarriles, cuya construcción podrá emprenderse dentro del plazo de treinta
años: Uyuni a Potosí; Oruro a La Paz; Oruro, por Cochabamba, a Santa Cruz; de
La Paz a la región del Beni; y de Potosí, por Sucre y Lagunillas, a Santa Cruz.
Este compromiso no podrá importar para Chile un
desembolso mayor de cien mil libras esterlinas anuales, ni exceder de la
cantidad de un millón setecientas mil libras esterlinas que se fija como el
máximum de lo que Chile destinará a la construcción de la sección boliviana del
ferrocarril de Arica al Alto de La Paz y a las garantías expresadas; y quedará
nulo y sin ningún valor al vencimiento de los treinta años antes indicados.
La construcción de la sección boliviana del
ferrocarril de Arica al Alto de La Paz, como la de los demás ferrocarriles que
se construyan con la garantía del Gobierno Chileno, será materia de acuerdos
especiales de ambos Gobiernos y en ellos se consultarán las facilidades que se
darán al intercambio comercial de los dos países.
El valor de la referida sección se determinará
por el monto de la propuesta que se acepte en el respectivo contrato de
construcción.
Artículo 4º. El Gobierno de Chile se obliga a entregar al
Gobierno de Bolivia la cantidad de trescientas mil libras esterlinas en
dinero efectivo y en dos parcialidades de ciento cincuenta mil libras; debiendo
entregarse la primera parcialidad seis meses después de canjeadas las
ratificaciones de este Tratado; y la segunda, un año después de la primera
entrega.
[...]
Artículo 6º. La República de
Chile reconoce en favor de la de Bolivia y a perpetuidad, el más amplio y libre derecho de tránsito comercial por su territorio y
puertos del Pacífico. Ambos Gobiernos acordarán, en actos especiales, la
reglamentación conveniente para asegurar, sin perjuicios para sus respectivos
intereses fiscales, el propósito arriba expresado.
Artículo 7º. La República de
Bolivia tendrá el derecho de constituir
agencias aduaneras en los puertos que designe para hacer su comercio. Por
ahora señala por tales puertos habilitados para su comercio, los de Antofagasta
y Arica. [...][7]
Em 1929, Chile e Peru firmaram um acordo
segundo o qual o primeiro ficaria com Arica e o segundo, com Tacna, pondo fim à
animosidade entre ambos. Em complemento a esse acordo, firmaram ainda um
protocolo no qual se estabelecia que nenhum dos dois poderia, sem acordo entre
as partes, ceder a totalidade desses territórios a um terceiro Estado. Ou seja,
a solução do enclausuramento da Bolívia se torna um assunto trilateral a partir
de 1929.
Desde o fim da
Guerra do Pacífico, inúmeros compromissos foram assumidos pelos dois países com
vistas a solucionar bilateralmente o conflito territorial pela saída marítima
boliviana, mas até o momento nada de concreto se observou.
Embora o
Congresso Boliviano tenha aprovado o Tratado de Paz y Amistad de 1904 em 4 de
fevereiro de 1905 e o Poder Executivo boliviano o tenha ratificado em 10 de
março de 1905, mesmo dia em que foram trocadas as notas de ratificação em La
Paz, hoje a Bolívia nega reconhecimento a esse tratado, reivindicando sua saída
oceânica e a reintegração de seus antigos território perdidos na guerra.
O Chile
argumenta, de sua parte, que o Tratado de Paz y Amistad de 1904 foi firmado
vinte longos anos após o fim da Guerra do Pacífico, em um contexto histórico em
que nenhuma das partes se encontrava pressionada pelas circunstâncias. A
Bolívia teria assumido, à época, espontaneamente, um compromisso internacional
livre de quaisquer vícios de consentimento, tendo recebido em troca uma série
de benefícios alfandegários e de trânsito. Além disso, o Chile se comprometeu
com a construção de uma ferrovia ligando La Paz ao porto de Arica, que foi
afinal levada a cabo sem ônus para o governo boliviano. Do ponto de vista
chileno, a Bolívia deveria renunciar previamente a tais privilégios e
ressarci-los todos, à base de um século de fruição, para pretender sequer
iniciar uma nova conversação acerca da saída oceânica.
Ademais, o
Pacto Secreto de Alianza entre Bolívia e Peru teria, sob a ótica chilena, materializado
uma conspiração cautelosamente planejada contra o Chile, como se evidenciou com
a Guerra do Pacífico. A suposta má-fé por parte da Bolívia poderia ser
depreendida do fato de o país ter firmado dois tratados com o Chile durante a
vigência da aliança secreta com o Peru, tendo-os desrespeitado a ambos
deliberadamente.
O Chile
argumenta ainda que a Convenção de Viena sobre Direito dos Tratados, de 1969,
determina a inviolabilidade dos acordos e a perpetuidade e imodificabilidade
dos tratados de limites (art. 62).
Em 2006, após
mais de três décadas de rompimento das relaçoes diplomáticas, os governos de
Bolívia e Chile, presididos por Evo Morales e Michelle Bachelet,
respectivamente, deram início a uma relativa aproximação. O tradicional discurso
chileno de que a questão territorial com a Bolívia se teria encerrado com o
Tratado de Paz
y Amistad de 1904 parece ter cedido lugar, nos últimos anos, a uma
postura mais conciliadora e aberta ao diálogo.
Em 24 de abril de
2013, a Bolívia apresentou à Corte de Haia demanda contra o Chile, em que exige
a devolução de sua saída soberana para o mar.
2. A reivindicação
marítima na Constituição Boliviana de 2009
Em 2009, com a
promulgação da nova constituição da Bolívia, aprovada em referendo pelo povo,
foi inserida uma disposição inédita acerca da reivindicação do país por uma
saída ao mar:
CAPÍTULO CUARTO
REIVINDICACIÓN MARÍTIMA
Artículo 267.
I. El Estado boliviano declara su derecho
irrenunciable e imprescriptible sobre el territorio que le dé acceso al océano
Pacífico y su espacio marítimo.
II. La solución efectiva al diferendo marítimo a
través de medios pacíficos y el ejercicio pleno de la soberanía sobre dicho
territorio constituyen objetivos permanentes e irrenunciables del Estado
boliviano.[8]
A despeito do
título empregado no capítulo da Constituição, o Estado Boliviano pleiteia, na
verdade, uma “reintegração” territorial, e não uma mera “reivindicação”
marítima, como se pode depreender da leitura do párrafo I. Os termos não são sinônimos: reivindicação, do latim rei vindicatio, tem o sentido jurídico
de se exigir aquilo que se tem por direito ou se acredita ter, consituindo um
meio judicial de proteção do direito de propriedade,[9]
enquanto reintegração significa o ato de restituir a posse de um bem. A
Bolívia, como se pode vislumbrar de sua política externa e do mandamento
constitucional, não pleiteia direitos sobre seu antigo território, senão a
restituição de sua posse, sua reintegração.
Com o art. 267 de
sua Constituição, a Bolívia declara irrenunciável e imprescritível o seu
direito sobre o território que lhe dê acesso ao Oceano Pacífico. Declarar
irrenunciável um direito significa afirmar que a ele não se pode renunciar sob
qualquer circunstância; se por ventura um futuro governo boliviano, sob a
vigência da atual constituição, vier a renunciar a esse direito, tal ato
padecerá de inconstitucionalidade e não será admitido como válido. Um direito
imprescritível é aquele que não prescreve com o tempo, que não se perde, que se
pode recuperar a qualquer instante, ainda quando seu abandono tenha se
prolongado no tempo.
O artigo 267
constitui uma novidade na história constitucional do país, não existindo
antecedentes da temática marítima no constitucionalismo boliviano. Nesse
sentido, pode-se afirmar que o referido dispositivo da Constituição boliviana:
se presenta como una innovación dentro del
constitucionalismo boliviano, ya que por primera vez se introduce en el sistema
constitucional, el derecho de Bolivia sobre el territorio que le dé acceso
al Océano Pacífico y su espacio marítimo. El artículo establece que es un
objetivo permanente e irrenunciable, que en dicho territorio, Bolivia
pueda ejercer soberanía plena. Esta constitucionalización
de uno de los objetivos principales de la política exterior boliviana,
arrastra una problemática originada en la Guerra del Pacífico, hito a partir
del cual Bolivia pierde la cualidad marítima. Respecto al diferendo marítimo,
el artículo señala que la solución debe darse a través de medios pacíficos.[10]
Conforme visto, o
art. 267 estabelece expressamente o recurso a meio pacíficos para solucionar o
litígio territorial com o vizinho, em consonância com outro dispositivo
constitucional, o art. 10, que estabelece que a Bolívia é um Estado pacifista,
que promove a cultura da paz e o direito à paz, rechaçando toda guerra de
agressão como instrumento de solução de controvérsias e conflitos entre
Estados. No original:
Artículo 10
I. Bolivia es un Estado
pacifista, que promueve la cultura de la paz y el derecho a la paz, así como la
cooperación entre los pueblos de la región y del mundo, a fin de contribuir al
conocimiento mutuo, al desarrollo equitativo y a la promoción de la
interculturalidad, con pleno respeto a la soberanía de los estados.
II. Bolivia rechaza toda
guerra de agresión como instrumento de solución a los diferendos y conflictos
entre estados y se reserva el derecho a la legítima defensa en caso de agresión
que comprometa la independencia y la integridad del Estado.
III. Se prohíbe la
instalación de bases militares extranjeras en territorio boliviano.
No Direito
Internacional e no âmbito das relações internacionais, os meios pacíficos são
identificados como diplomáticos, políticos ou jurisdicionais. Dentre os
diplomáticos, existem as seguintes formas à disposição da Bolívia para
solucionar seu diferendo com o Chile: negociação direta, bons ofícios, mediação
e conciliação. Os meios políticos seriam destinados a resolver problemas mais
de natureza política no âmbito de organizações internciaonais, o que não nos
parece o caso da controvérsia boliviano-chilena. Como meios jurisdicionais,
pode-se recorrer a um tribunal internacional, como a Corte Internacional de
Justiça, ou a uma solução arbitral, desde que acordada por ambas as partes. O
governo de Evo Morales, na Bolívia, já sinalizou em mais de uma oportunidade
com a pretensão de submeter a questão à Corte de Haia.
Entretanto,
quer-nos parecer contraditória ou, no mínimo, problemática a eventual opção da
Bolívia de resolver a pendência territorial com o Chile por meio de uma ação
judicial junto à Corte de Haia. Isso porque o art. 267 da Constituição
boliviana determina como “irrenunciável e imprescritível” o seu direito sobre o
território em litígio, enquanto que, por outro lado, aceitar a jurisdição da
Corte de Haia sobre a questão significa aceitar a eventualidade de uma decisão
desfavorável. Há nisso uma contradição.
O governo
boliviano estaria, assim, constitucionalmente obrigado a rechaçar qualquer
decisão judicial que implique a renúncia ao direito sobre o referido
território, haja vista que a Constituição o determina irrenunciável e
imprescritível. Por outro lado, a Corte sequer poderia se manifestar sobre
direitos indisponíveis, como é o caso do autodeclarado direito boliviano. Restam
ao governo boliviano, assim, os outros meios que solução pacífica de
controvérsias que não os jurisdicionais.
Como conciliar a
irrenunciabilidade e imprescritibilidade do referido direito, como determinado
pelo párrafo I do art. 267, com o
imperativo de se recorrer a meios pacíficos para a solução efetiva da
controvérsia, conforme estabelecido no párrafo
II? É como se só se pudesse recorrer a uma solução por um dos meios
pacíficos se o resultado não implicar a renúncia ao território. Como se se
aceitasse o meio com a condição de que o fim lhe seja favorável.
À luz do
dispositivo, o governo boliviano está de mãos atadas, visto que não pode
aceitar qualquer resolução que implique a renúncia ao território, tais como:
indenização, compensações territoriais em outro ponto da fronteira, privilégios
de livre-criculação, servidão de passagem (instituto do Direito Civil, de
origens romanas, que implica a limitação ao direito do “proprietário”
decorrente na necessidade de trânsito por parte de um vizinho), “soberania
compartilhada” (na linha da proposta de compartilhamento de Gibraltar entre
Espanha e Reino Unido, derrotada em referendo pelos gibraltinos em 2002).
3 Considerações finais
A disposição do
art. 267 da Constituição Boliviana, por vezes referido como
“constitucionalização de um dos objetivos principais da política externa
boliviana”, não poderia, à luz de outra perspectiva, ser denominado
“constitucionalização do rancor histórico”? Ao se transformar o pleito em norma
programática da constituição, ou seja, numa diretriz vinculante para a atuação
futura dos órgãos e instituições do Estado, criou-se uma orientação objetiva
para os governantes e demais autoridades públicas, de certo modo engessando
seus movimentos e restringindo o seu campo de atuação. As relações bilaterais
com o Chile restarão sempre condicionadas, como desde 1883 têm estado marcadas
por essa questão pendente, agora alçada a nível constitucional. A questão
transcende o mundo fático para ascender ao nível normativo, do campo do ser
contamina o dever-ser.
A política
externa do Chile, de sua parte, tradicionalmente descarta qualquer
possibilidade de outorgar à Bolívia soberania sobre alguns dos territórios que
esta perdera no passado, com a justificativa de que, com isso, seria
interrompida a continuidade territorial do país e seria dividida a sua
soberania. Com efeito, não há como negar certa razão ao argumento chileno, haja
vista que a norte do antigo litoral boliviano o país conquistou e consolidou
territórios, originalmente peruanos, na mesma Guerra do Pacífico, que ficariam
eventualmente isolados do resto do país, ao sul, pela via terrestre, em caso de
devolução de territórios à Bolívia. O temor da descontinuidade territorial por
parte do Chile não deve ser subestimado; por outro lado, é certamente do
interesse do país resolver definitivamente essa desavença histórica com o vizinho.
Outra incerteza
advinda do art. 267 é se o Estado Boliviano persegue a reivindicação dos
territórios que lhe foram injustamente usurpados na guerra ou se busca um território que lhe dê acesso soberano
ao Oceano Pacífico. A resposta a esse questionamento não será de somenor
importância para a implementação do meio pacífico eventualmente escolhido para
a solução do diferendo. O Chile poderia, por exemplo, em hipótese, oferecer uma
saída ao mar mais ao norte da região originalmente boliviana, junto à fronteira
com o Peru, área que nunca pertenceu à Bolívia, numa solução que não quebraria
a continuidade territorial chilena nem ofenderia a certas veleidades das partes
em litígio.
Referências bibliográficas
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Bibliográficas para el Estudio de la Historia de Chile. Disponível em:
. Acesso em: 1º mar.2014.
[1] Mestre
em Direito Internacional pela USP. Doutorando em Integração da América latina
pela USP.
[2] REINO DE
ESPAÑA, Recopilación de Leyes de los
Reynos de las Indias, 1680: 5.
[3] Centro
de Estudios Constitucionales, 2013, art. 267, “Diferendo marítimo”, primeiro
parágrafo.
[4] Cf. Centro de Estudios Constitucionales,
2013, art. 267, “Diferendo marítimo”, segundo parágrafo.
[5] Apud BAZÁN, César Vásquez. El Tratado
Secreto entre Perú y Bolivia. Grifos nossos.
[6] Centro
de Estudios Constitucionales, 2013, art. 267, “Diferendo marítimo”, quinto
parágrafo.
[7] Tratado
de Paz y Amistad, Bolivia y Chile, firmado en 20 de octubre de 1904. Grigos
nossos.
[8] ESTADO
PLURINACIONAL DE BOLIVIA. Constitución
Política del Estado, 2009.
[9] O
instituto deriva do Direito Romano: “Na reivindicação, que é o meio judicial de
proteção do direito de propriedade, o réu é o possuidor. Isto significa que o
ônus de provar o seu direito incumbe a quem não está na posse, ficando o réu na
cômoda posição de simplesmente negar o direito alegado por aquele, isto é, pelo
autor”. (MARKY, Thomas. Curso elementar
de Direito Romano. São Paulo: Saraiva, 1996.
[10] Cf. Centro de Estudios Constitucionales,
2013, art. 267, “Presentación”. Grifo nosso.
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